
a) Que tipo de gente escreve o nome inteiro da criança num bolo, afinal? Tipo "Felicidades, João da Silva"?
b) O coitadinho tem três anos e usa mullets. Se isso não é abuso infantil, eu não sei mais o que é.
O mito da professora mal comida data da Grécia antiga, quando o primeiro aluno levou uma bronca da mestra debaixo de um pé de oliveira e cochichou com o colega do lado: “O marido dessa daí dormiu de túnica essa noite.” Dali para frente a desmoralização da sociedade, a falta de educação dos alunos e o crescente mal humor das professoras levou à consolidação do mito da mal comida, que sofreu variações designatórias ao longo dos tempos. Inciou-se com um “velha recalcada”, passando pelo clássico “marido dormiu de calça” até chegar ao moderno “é falta de (insira aqui vocábulo chulo para o orgão sexual masculino).”
Outras profissões compartilham a fama de mal comidas das docentes, como bibliotecárias, funcionárias públicas e a quase extinta categoria das donas de pensão. Costuma recair sobre as professoras, entretanto, a culpa pelas amarguras da humanidade, visto que é com elas que o cidadão comum passa grande parte do seu tempo até os 17 anos pelo menos. Com isso, o fantasma da mal comida pode perseguir um sujeito pelo resto da vida dele:
“Eu não passei no vestibular porque minha professora de Matemática é uma mal comida.”
“Eu não consegui a promoção porque vou mal em estatística e a culpa é daquela professora mal comida.”
“Eu voto no Lula por causa da mal comida da professora de...”
E por falar no nosso presidente, cer-te-za que ele teve uma mal comida logo na primeira série, tão mal comida, mas tão mal comida, que obrigou o coitadinho a abandonar a escola. Culpa da falta de (insira aqui vocábulo chulo para o orgão sexual masculino) que assola a nação.
“Fulaninho é inteligente, só que é vagabundo.”
Sinto informar, mas você se fodeu, fulaninho. Imagina se o Einstein fosse vagabundo. Passaria suas manhãs de sábado coçando o saco ou as noites no bar enchendo a cara e pegando doenças venéreas, ao invés de desenvolver a teoria da relatividade. Se o cidadão é, portanto, reconhecidamente inteligente (não importa como foi feito esse reconhecimento), ser vagabundo só vai provar que a inteligência dele não serve pra coisa nenhuma e portanto não faria diferença se ele fosse burro.
“Fulaninho nunca gostou de estudar, nem foi para faculdade, e olha aí: se deu bem na vida.”
Quantas pessoas você conhece para encaixar nesse exemplo? O suficiente para tornar isso uma regra? Não, né? Então não vale. E aposto que quem quer você coloque aí é inteligente e nem um pouco preguiçoso. Ou absolutamente sortudo, tipo a Victoria Beckham.
“Fulaninho nunca precisou estudar para passar em prova nenhuma.”
Opção a) Fulaninho está na sexta série.
Opção b) Fulaninho estuda ou se formou em alguma UniEsquina da vida.
Porque se o fulaninho resolver passar numa faculdade decente e concluir o curso, ele vai ter que sentar a bunda na cadeira em algum momento.
“Não existe gente burra.”
Ah, existe. E como. Gente que não acha importante ouvir música decente, ler livros de verdade (não “Código da Vinci” ou “Violetas na Janela”), escrever direito... E isso não é ignorância não, seria ignorância se o cidadão não tivesse acesso a coisas melhores. Conheço dezenas de pessoas que têm acesso e preferem acompanhar a novela. Isso é burrice.
“Fulaninho vai mal na matéria porque odeia o professor.”
Talvez. Mas a chance de ele ir mal na matéria por ser burro e vagabundo é infinitamente maior.
Cheguei ao colégio hoje de manhã e dei de cara com uma figura oxigenada vestindo uma camiseta que tinha uma gravatinha e colete estampados e calçando saltos de acrílico (urgh!). Sentada num canto da sala da coordenação (que, como eu já disse por aqui, tembém é enfermaria e biblioteca), anotava furiosamente qualquer movimentação – de crianças espirrando até as piadas das professoras. Coordenadora explicou – é estagiária. De quê, gizuiz, pra ficar na sala da coordenação e não na classe? De Psicopedagogia, respondeu a criatura.
Eu não se já falei por aqui da minha antipatia com psicopedagogas. Antipatia não. Ódio mesmo. Psicopedagogas são mulherezinhas bregas que fazem uma pós-graduação mequetrefe e se acham habilitadas a meter o bedelho no trabalho de gente que enfrenta uma sala de aula cheia de monstrinhos há anos. Não falo nem por mim, que bem ou mal estou começando também, mas pelas outras. Muitas psicopedagogas nunca entraram numa sala de aula e vêm querer aplicar Piaget para ensinar tabuada a duas dúzias de crianças ensandecidas.
Mas espera aí? Psicopedagogia não é curso de pós-graduação? Desde quando tem estágio? Pois a UNIFIEO fez o favor de criar um curso de graduação desta coisa. Sem vestibular e com a mensalidade bem baratinha, o que significa que daqui a três anos ela despejará no mercado dezenas de mulherezinhas bregas que nunca entraram numa sala de aula vomitando Piaget por aí.
O fato é que a mulher do salto de acrílico (meus olhos! meus olhos!) passou a manhã inteira fazendo observações “pertinentes” e enchendo o saco da coordenadora e de qualquer professora que passasse mais de cinco minutos na sala. Tentamos empurrar a mala para o recreio, para a aula de Arte, mas o negócio dela era na coordenação. Porque afinal, ela será uma Psicopedagoga, não uma reles professora. Ódio cada vez maior dessa raça.
Na hora de ir embora eu precisava passar no shopping para buscar uma calça que tinha ficado arrumando. Quatro quarteirões da escola, distância que eu ia enfrentar de ônibus em vista do sol escaldante, mas ao me dirigir ao ponto dou de cara com quem? Com a mulherzinha da camiseta de gravata. Fui a pé. Imagina se ela resolve conversar comigo?
Festa junina do colégio. Barraca da pescaria. Para os não iniciados em assuntos juninos, a barraca da pescaria é o pior lugar para se trabalhar num evento desse tipo. Porque na pescaria todo mundo ganha. Sempre. Não é como na argola ou na boca do palhaço, onde te dão três chances e, se você for muito pequeno ou muito ruim mesmo, pode errar e não ganhar porcaria nenhuma. Na pescaria você recebe uma vara, se debruça no balcão e pode ficar lá eternamente, até pegar alguma coisa. E a pescaria lá no colégio é com os peixinho de madeira enfiados num tanque de areia e não boiando na água, portanto qualquer pessoa com o mínimo de coordenação motora consegue. Não preciso nem dizer então que a barraca da pescaria é a mais concorrida da festa e ser escalado para trabalhar nela significa horas de trabalho incessante, crianças gritando, pais tirando foto, dor nas costas e pernas de tanto abaixar para arrumar a meleca do tanque de areia.
E lá estava eu, com o saco na lua, minha companheira de barraca ocupadíssima batendo papo com alguém no canto e eu tendo que me virar em quatro para receber as fichas, entregar varinhas, recuperar peixes e entregar prendas que no dia seguinte estarão no lixo mesmo. Uma avó coloca um garotinho de uns seis anos para pescar. Mal pega na varinha, o moleque já me olha: “tia, me ajuda?”. Enquanto isso, a barraca lotava. Impossível. “Vai lá, rapaz, você consegue sozinho!” E corri para continuar atendendo todo mundo. Como assim “tia, me ajuda?” Menininhas menores que ele estavam pegando um peixe atrás do outro. Minha vontade foi de responder: “deixa de ser mole, moleque!”.
O fato que o garoto era ruim mesmo. Péssimo. Não conseguia nem colocar o anzol perto do tanque. Nisso a avó me olha: “dá uma ajudinha pra ele...” Dez crianças ensandecidas gritando “Tiaaaaaaaaaaaaaa!”, um calor infernal, eu praticamente sozinha na barraca e a velha acha que eu vou mesmo poder parar tudo e ficar segurando a linha do incompetentezinho para que ele ganhe um caminhão de plástico. Nessa hora baixou a mãe Dinah e tia Paula viu o futuro. Vi o moleque com seus vinte anos, sendo acordado pela mamãe com um copinho de leite com ovomaltine. Vestindo uma pólo rosa da Lacoste e indo para sua aula no curso de Administração da PUC. Indo para as micaretas de fim de semana e tratando suas ficantes e namoradinhas feito lixo. Xingando a mãe. Dando caixinha para o policial não multar. Resumindo, vi o garoto se tornando um ser completamente dispensável para a sociedade.
Tá, tô exagerando. Mas que eu fico puta de ver pais, tios e avós tratando suas crianças como se elas fossem a única coisa importante do universo inteiro, isso eu fico mesmo.
Mas quem fez foi o professor de Matemática. Terceiro colegial, setenta fulanos tocando o terror na sala de aula. Meu colega se irrita e começa a esculhambar a galera. No meio do fogo cruzado, um “gênio” relincha:
“É, mas sou eu que pago seu salário!”
O professor não teve dúvidas. Calmamente fingiu que fazia umas contas no canto da lousa, enfiou a mão no bolso, tirou uma moeda e disparou:
“Pois eu acabei de calcular a sua parte no meu salário e deu cinqüenta centavos.”
Atirou a moeda no cara e concluiu: “ Tô devolvendo. Agora pode sair e faça o favor de não voltar mais aqui.”
Ou porque uma garota de posse de suas perfeitas faculdades mentais decide se tornar professora.