quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Estou virando uma velha sentimental

Depois de duas aulas de puro terror dentro da terceira série, saí emputecida anunciando que estava de relações cortadas com os monstrinhos. Usei exatamente estas palavras. Botei os livros debaixo do braço e gritei: "Estou de relações cortadas com vocês!"
Meia hora depois tive que voltar para entregar algumas provas para a outra professora. Caprichei na cara de má para mostrar que ainda não tinha esquecido a malcriação da turma e bati na porta. A Luiza, uma das alunas, melhor zagueira do time da escola, saiu da carteira dela e foi me dar um abraço. Me fazendo de durona, retruquei: "Não quero. Estou de mal de vocês."
Pois a menina começou a chorar. Muito. Copiosamente. Tive que pedir desculpas, dar o dedinho e explicar que eu estava brava com a turma toda, não com ela, e que eu sabia que ela era legal e que ela gostava de mim e etc, e etc. Depois fiquei com dor no coração e estou morrendo de vontade de levar um presentinho pra ela na aula que vem.
Estou ficando muito mole, mesmo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Ah, você é professora?

Eu tinha um amigo dermatologista que, ao ser indagado sobre sua especialidade médica em situações socias, invariavelmente dizia: "proctologista". O fato é que as mesmas pessoas que diante da resposta se sentiam constrangidas em compartilhar seus problemas anais na tentativa de descolar uma consulta grátis não teriam o menor problema em falar sobre suas berebas, coceiras ou micoses com um completo estranho.
Falar sobre a minha profissão causa situações menos constrangedoras, mas nem por isso menos irritantes, a saber:
"Você é professora? E além de dar aulas, você trabalha?" - Sim, criançada, em pleno século XXI eu ainda tenho que ouvir esse tipo de idiotice. Afinal, a gente ganha pouco, acorda cedo e enfrenta 100 crianças ensandecidas entre 7 e 10 anos por hobby.
"Professor é que tem um vidão... Férias duas vezes por ano..." - Elementar, meu caro Watson. Se nós não tivéssemos férias duas vezes por ano teríamos que nos aposentar por invalidez com 10 anos de trabalho e isso seria um prejuízo terrível para o INSS.
"Professora de inglês, é? Tô precisando tanto de aula particular..." - Tentativa de xaveco bastante popular, para a qual já tenho uma resposta padrão: 75 reais a hora aula, vai querer? E só tenho horário de domingo de manhã.
E deixo a melhor para o final. Sexta feira, resolvo me aventurar num boteco apertado, de chão grudento, onde só tem cerveja Itaipava meio quente e os únicos homens disponíveis são terceiro-anistas (na melhor das hipóteses) do Mackenzie. Diante do "sou professora", o mocinho retruca:
"Legal! Minha mãe também!"
Porra, dá para não botar a mãe no meio?

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Bota na conta do Papa

Certo, eu não queria apelar para a famigerada "Tropa de Elite" (mesmo porque a piada já está ficando velha), mas esse merece.
Tenho certeza que hoje dez professores acordaram cedo e foram ao conselho de classe na maior felicidade. Que se registre aqui: dia 23 de novembro de 2007 nós finalmente botamos o Baiano no saco!
O Baiano é aquele moleque que pediu pra sair o ano inteiro, só torrou nossa paciência, atrasou nossa vida e fez pouco caso da nossa cara. E calculem nossa alegria ao constatar que o bonito ficou de recuperação em seis matérias, em todas elas com nota abaixo de cinco (a média do colégio é seis). Ou seja, retido direto. Grifar o nominho dele de vermelho foi praticamente uma catarse coletiva. A gente só não saiu pra tomar uma cerveja depois porque eram dez horas da manhã.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Tia Paula vai à loja de bebês

Vendedores são como leões, que sentem o cheiro do medo e com isso atacam pobres zebras e gnus indefesos enquanto os mesmos pastam, incautos, pelas savanas africanas. A diferença é que vendedores sentem o cheiro não do medo, mas da inexperiência. Assim que me viu entrar, esbaforida, calorenta, carregando uma pilha de livros e uma bolsa gigantesca, a mocinha do crachá percebeu que eu nunca tinha estado em uma loja de artigos para bebê na vida. Percebeu que, para mim, aquele ambiente era tão perigoso e desconhecido quanto a savana africana. E afiou as garras.
Começou sutil. “Posso ajudar?” Devo ter lançado-lhe um olhar de “pelo amor de Deus” enquanto perguntava pela lista de chá de bebê número x. Ela sorriu, a malvada, e sacou de trás do balcão duas folhas contendo uma relação de itens que, supostamente, seriam de primeira necessidade para uma mãe e seu rebento recém-nascido. Da lista eu só conhecia três objetos: fraldas, chupetas e mamadeiras. Alguns eu fazia uma vaga idéia do que seriam e a maioria se qualificava como um imenso ponto de interrogação.
_ Fique a vontade.
O quê? Ela ia me deixar ali, sozinha, abandonada a minha própria sorte, embrenhada em uma selva de prateleiras cheias de produtos misteriosos em tons pastéis? Eu levaria no mínimo três dias para descobrir o que é um cueiro e ainda corria o risco de ser atropelada por um carrinho desgovernado ou me perder na seção de bichos de pelúcia antialérgicos.
Tratava-se, entretanto, de uma vendedora voraz. A líder do bando, possivelmente. Detectou um segundo de hesitação da minha parte e se apressou em tomar as rédeas da situação. Viu que eu estava perdida, insegura, e que faria qualquer coisa para sair dali o mais rápido possível. Presa fácil, portanto.
_ Que tal um esterilizador de mamadeira?
Fui então apresentada a uma espécie de cumbuca plástica com uma tampa, supostamente utilizada para tornar a mamadeira um objeto totalmente livre de germes malvados que possam adoecer o frágil recém-nascido. Custava 50 reais. Levando em consideração que minhas mamadeiras, nos idos dos anos setenta-quase-oitenta, antes do advento do microondas, foram esterilizadas no fogão e nem por isso fui um bebê menos fofo e saudável, comuniquei:
_ Eu queria alguma coisa mais em conta...
A fera não se fez de rogada:
_ Um escorredor de mamadeiras, talvez?
Era uma placa de plástico com ganchinhos de tamanhos diferentes, onde as garrafinhas do bebê devem ficar para secar após a lavagem. Pode muito bem ser substituída pela parte de secar copos do escorredor de louças e custava 25 reais. Comprei. Meu lado “não-tenho-talento-para-maternidade” foi acionado naquele momento, me implorando para que eu saísse daquele lugar estranho antes que algo pior acontecesse. Comprei uma coisa completamente idiota e acima do orçamento previsto por culpa de uma vendedora maligna e sanguinária, que num dia inspirado teria me convencido a ter um filho para desfrutar do mundo maravilhoso dos artigos infantis em sua totalidade. Culpa também do homem dentro de mim, que não passa de um mariquinha e se assusta com coisas inocentes como chocalhos, cueiros e esterilizadores de mamadeira.
Claro que, diante do “mariquinha”, meu macho interior retrucaria: “cauteloso”. No fundo ele tem razão. Afinal, nunca se sabe que perigos nos espreitam atrás de uma prateleira de leite em pó.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Já não se fazem mais mães como antigamente

Adolescentes rebeldes em casa? Filha de 12 anos fazendo pegação no banheiro da escola? Moleque de 13 tomando vinho chapinha com os amigos góticos na praça? Seus problemas acabaram! Adquira hoje mesmo o revolucionário “A arte do terrorismo educacional - Como transformar seus filhos adolescentes em adultos física, sexual e psicologicamente saudáveis” , por dona Neide, minha mãe.
Dona Neide possui 28 anos de experiência na arte de traumatizar filhos – tudo, é claro, para o bem deles. Aos 56 anos, dona Neide educou, utilizando seu método, duas filhas das quais qualquer mãe pode se orgulhar – saudáveis, ajustadas e, o mais importante, que passaram pela adolescência sem engravidar, ter uma overdose ou ficar com fama de galinha no colégio. E, ainda por cima, comem vegetais, escovam os dentes quatro vezes por dia e não, não odeiam sua mãe. Eis algumas dicas de nossa guru da educação:
1. Leve sua filha incauta de 12 anos que acabou de menstruar pela primeira vez até a janela de um apartamento no 13o andar e diga: “De agora em diante, duas coisas que você fizer nessa vida serão equivalentes a se jogar dessa janela: se meter com drogas e engravidar”.
2. Ameace levar os filhos ao hospital para ver as crianças doentes “porque não comeram direito” cada vez que elas fizerem cara feia diante de um prato de escarola. Vídeos sobre a fome na África também podem ser utilizados.
3. Cole reportagens sobre drogas e gravidez na adolescência na porta do armário das meninas e grave todos os “Globo Repórter” sobre os mesmos assuntos.
4. Não perca uma oportunidade de dizer para suas as amigas, na frente dos filhos, o quanto suas crianças são ajuizadas e conscientes dos “perigos do mundo”.
5. Tenha sempre na ponta da língua uma história horrível de crianças que “não escutaram suas mães e acabaram num terreno baldio dentro de um saco de lixo preto”.
6. Mostre todo seu conhecimento sobre DSTs durante a festa de aniversário de seus queridinhos (quanto mais amigos presentes, melhor).
7. Toda vez que a filha do vizinho passar de saia curta, comente: “essa daí já está com a maior fama de biscate no prédio. Não dou um ano pra ficar grávida”.
8. Se sua filha adolescente passar meia hora do toque de recolher, vá buscá-la na festa de roupão, chinelos e expressão de sofrimento. Se tiver bobs para colocar no cabelo, melhor.
Ligue agora e compre “A arte do terrorismo educacional - Como transformar seus filhos adolescentes em adultos física, sexual e psicologicamente saudáveis” e tenha acesso ao método que está transformando a vida familiar no mundo! Dê fim às noites mal dormidas e aos comentários maldosos da vizinhança!