sábado, 29 de dezembro de 2007

Trauma (parte II)

São Paulo, 1990. Tia Paula, então com doze anos, freqüentava a sexta série de um colégio público na Vila Mariana. Aula de Português.
A professora se chamava Priscila. Não sei dizer a idade dela, pois aos doze anos todo mundo é velho, mas me lembro que ela loira, cabelo curto, eternamente emburrada. E era a única professora do colégio que usava avental. Até aquela fatídica aula de redação nós nunca tínhamos tido motivos para ter medo da Priscila, apesar da cara de má. Ela entrava na sala, fazia seu trabalho sem dar muita bola para a gente e saía. Até aquela fatídica aula.
A tarefa era fazer uma redação sobre desmatamento. Eu, que sempre fui metida a escrever, tive uma idéia, para mim, genial. Fiz um diálogo entre os bichos da floresta discutindo os efeitos do desmatamento na vida deles. Onça, tatu, papagaio, tinha tudo. Fiquei orgulhosíssima do meu texto, todo mundo ia adorar, imaginem, bichos conversando! Entreguei a redação saltitando, e mal podia esperar pela aula seguinte, quando eu certamente receberia os efusivos parabéns da professora e os comentários admirados dos meus colegas. E a aula seguinte veio.
Parece mentira, mas minha redação era a última da pilha. A professora ia chamando nome por nome e eu ia ficando cada vez mais ansiosa. Será que eu tinha tirado um A? A não, vá, Paula, um pouco de modéstia agora, um B+ talvez. Quando chegou minha vez, Priscila pegou a folha pela pontinha como quem pega um treco sujo do chão e começou a balançar na minha frente:
_ Paula, que idéia foi essa? Eu tinha pedido uma dissertação! Você sabe o que é isso? Não sabe, né? Se soubesse não tinha feito isso aqui. Tenha dó, você não presta atenção no que eu digo, não? Quem mandou fazer narrativa? Isso não tem nada a ver com o que eu pedi!
Ela estava realmente brava enquanto falava. Eu, por minha vez, já não estava lá. Tinha sumido de vergonha, de ódio da Priscila por chamar meu texto de “isso”. E na frente da classe inteira. E essa foi apenas uma das inúmeras vezes em que eu quis morrer na escola. Ela jogou a folha sobre a minha mesa e me mandou refazer. De raiva, caprichei horrores, pesquisei. Ela corrigiu, me deu um B e mal olhou para minha cara.
Basicamente é isso. Se eu não virei a J.K. Rowling brasileira a culpa é exclusivamente da Priscila.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Tia Paula de férias (parte II)

Mãe: Você tomou o suco de laranja que eu comprei?
Tia Paula (no msn): Tomei.
Mãe: Gostou?
Tia Paula: Hum-hum.
Mãe: Quê?
Tia Paula: GOSTEI!
Mãe: Não precisa gritar, só perguntei.
Tia Paula: Tá.
Mãe: A carteirinha do seu plano de saúde continua em cima da cômoda.
Tia Paula: ...
Mãe: Eu já falei que você tem que andar com ela na bolsa, Paula.
Tia Paula: Tá.
Mãe: Pare de guardar suas roupas no avesso. É atraso de vida.
Tia Paula: Hum-hum
Mãe: Você usa essas camisetas? Posso dar para alguém?
Tia Paula: Eu uso pra correr, mãe.
Mãe: Mas você NUNCA vai correr.
Tia Paula: Agora que eu estou de férias eu vou.
Mãe: Então larga esse computador e vai.
Tia Paula: Tá frio.
Mãe: Quer uma banana?
Tia Paula: Não.
Mãe: Preciso de uma receita de torta de nozes, acha aí na internet pra mim?
Tia Paula: Daqui a pouco.
Mãe: Acho que eu vou comprar uma centrífuga.
Tia Paula: Pra quê?
Mãe: É mesmo, pra quê?
Tia Paula: ...
Mãe: Você viu meus óculos?
Tia Paula: Não.
Mãe: Leva o lixo lá fora pra mim?

E vocês achando que lidar com crianças demanda paciência...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Querido Papai Noel,

Eu sei que eu não fui um menino bonzinho esse ano. Eu não fiz a lição de Matemática, não entreguei nenhum recado da professora para minha mãe e só tirei nota baixa em Inglês. Eu escondi a chave do meu armário dentro daquele vaso que tem ao lado da mesa da coordenadora e passei um mês sem fazer nada alegando que não tinha material. Eu bati nos moleques da segunda série (mas eles que pediram, Papai Noel! Cataram minhas figurinhas do Yugi-Ho e zoaram minha camisa do Corinthians). Eu chamei as meninas da minha sala de biscates e não aprendi que “xupa pal” se escreve com ch e com u. Eu rabisquei a parede da sala com canetinha, mostrei o dedo médio na foto da turma e cantei funk na aula de Ciências. Ah, e sabe o tênis do Juquinha da primeira série pendurado no ventilador? Fui eu, Papai Noel.
Mas, apesar de tudo isso, Papai Noel, eu queria ganhar um Play Station 3. Eu gastei um dinheirão de telefone lá em casa ligando pro SBT mas aqueles filhos da puta do Bom Dia e Cia nunca me atenderam e agora meu pai está querendo me matar. Você é minha última esperança. Eu sei que criança mal criada não ganha presente, mas eu queria te fazer uma proposta: o senhor me dá o Play Station e eu pago parcelado ano que vem, que tal? Eu começo já no primeiro dia do ano, não jogando minha tia Bete na piscina e não quebrando os brinquedos novos dos meus primos. E eu prometo que não vou fazer caricatura da professora gorda e espalhar para a escola (e veja bem, Papai Noel, eu passei o ano todo aperfeiçoando o desenho).
O que o senhor me diz, Papai Noel? Posso contar com meu Play Station 3? Caso o senhor não responda esta cartinha, tenho planos de contatar seus superiores lá no shopping (o senhor deve ter superiores lá, né? Ou o senhor é o dono do shopping?) e dizer para eles que o senhor cuspiu nas criancinhas.

Feliz Natal,

Matheus (o da 3ª A. O da 3ª B bateu na professora)

* Levemente inspirada na cartinha do colega de classe Tio Xavier.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Tia Paula precisa desabafar

Tem uma coisa que me irrita muito, mas muito mesmo em alunos de cursinhos de inglês. É quando aquele sujeito que já começou e parou o curso trocentas vezes e não consegue sair do intermediário olha para a minha cara e diz: "Eu odeio inglês, mas morro de vontade de aprender italiano."
a) Porque é sempre italiano? Qual o problema dessas pessoas com italiano? Deve ser resultado de anos de novelas do Benedito Ruy Barbosa na cabeça, né?
b) Queria muito ver neguim que não aprende nem do e does conjugando verbos em italiano.
c) Pra quê eles querem aprender italiano, afinal? Para pedir massa sem sotaque nas cantinas da 13 de Maio? Para assistir a RAI? Para ler Dante no original que não é.

Preciso dar umas dicas de marketing para o Círcolo Italiano. Eles deveriam distribuir panfletinhos em porta de escola de inglês.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Sabem o que eu descobri hoje?

Que os pais da Luiza são atores. Tá explicado.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Diálogo entre Tia Paula e seu coordenador

Tia Paula: Boss, tem neguinho que não conseguiu média na recuperação paralela, o que eu faço?
Boss: Passa no conselho.
Tia Paula: Posso?
Boss: Pode. Mas pode dar no máximo meio ponto. Se precisar de mais, recuperação final.
Tia Paula: Eu não posso vir ao conselho.
Boss: Eu passo pra você.
Tia Paula: Capricha, boss, que tô surtando. Se eu tiver que aparecer aqui semana que vem eu me mato.
Boss: Peraí (joga as notas na planilha). Pronto. Ó, esses aqui tão precisando de mais de meio ponto.
Tia Paula: Esses daí tão precisando de um cérebro novo, pô!
Boss: Corrige a prova deles de novo.
Tia Paula: Quê?
Boss: Não rola aumentar uns pontinhos? Faz uma correção mais camarada.
Tia Paula: Mas foi com muita boa vontade que eu considerei isso aqui como sendo inglês.
Boss: Certeza? Não dá mesmo?
Tia Paula: (pega a caneta, ameaça rabiscar alguma coisa na prova, desiste) Não dá, boss.
E é por isso que eu vim trabalhar hoje. Porque eu tenho escrúpulos. Quem mandou?

Sobre o post anterior

Agradeço os comentários e digo uma coisa: estou com medo de voltar à terceira série essa semana e encontrá-los com as carinhas pintadas empunhando lanças.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Estou virando uma velha sentimental

Depois de duas aulas de puro terror dentro da terceira série, saí emputecida anunciando que estava de relações cortadas com os monstrinhos. Usei exatamente estas palavras. Botei os livros debaixo do braço e gritei: "Estou de relações cortadas com vocês!"
Meia hora depois tive que voltar para entregar algumas provas para a outra professora. Caprichei na cara de má para mostrar que ainda não tinha esquecido a malcriação da turma e bati na porta. A Luiza, uma das alunas, melhor zagueira do time da escola, saiu da carteira dela e foi me dar um abraço. Me fazendo de durona, retruquei: "Não quero. Estou de mal de vocês."
Pois a menina começou a chorar. Muito. Copiosamente. Tive que pedir desculpas, dar o dedinho e explicar que eu estava brava com a turma toda, não com ela, e que eu sabia que ela era legal e que ela gostava de mim e etc, e etc. Depois fiquei com dor no coração e estou morrendo de vontade de levar um presentinho pra ela na aula que vem.
Estou ficando muito mole, mesmo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Ah, você é professora?

Eu tinha um amigo dermatologista que, ao ser indagado sobre sua especialidade médica em situações socias, invariavelmente dizia: "proctologista". O fato é que as mesmas pessoas que diante da resposta se sentiam constrangidas em compartilhar seus problemas anais na tentativa de descolar uma consulta grátis não teriam o menor problema em falar sobre suas berebas, coceiras ou micoses com um completo estranho.
Falar sobre a minha profissão causa situações menos constrangedoras, mas nem por isso menos irritantes, a saber:
"Você é professora? E além de dar aulas, você trabalha?" - Sim, criançada, em pleno século XXI eu ainda tenho que ouvir esse tipo de idiotice. Afinal, a gente ganha pouco, acorda cedo e enfrenta 100 crianças ensandecidas entre 7 e 10 anos por hobby.
"Professor é que tem um vidão... Férias duas vezes por ano..." - Elementar, meu caro Watson. Se nós não tivéssemos férias duas vezes por ano teríamos que nos aposentar por invalidez com 10 anos de trabalho e isso seria um prejuízo terrível para o INSS.
"Professora de inglês, é? Tô precisando tanto de aula particular..." - Tentativa de xaveco bastante popular, para a qual já tenho uma resposta padrão: 75 reais a hora aula, vai querer? E só tenho horário de domingo de manhã.
E deixo a melhor para o final. Sexta feira, resolvo me aventurar num boteco apertado, de chão grudento, onde só tem cerveja Itaipava meio quente e os únicos homens disponíveis são terceiro-anistas (na melhor das hipóteses) do Mackenzie. Diante do "sou professora", o mocinho retruca:
"Legal! Minha mãe também!"
Porra, dá para não botar a mãe no meio?

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Bota na conta do Papa

Certo, eu não queria apelar para a famigerada "Tropa de Elite" (mesmo porque a piada já está ficando velha), mas esse merece.
Tenho certeza que hoje dez professores acordaram cedo e foram ao conselho de classe na maior felicidade. Que se registre aqui: dia 23 de novembro de 2007 nós finalmente botamos o Baiano no saco!
O Baiano é aquele moleque que pediu pra sair o ano inteiro, só torrou nossa paciência, atrasou nossa vida e fez pouco caso da nossa cara. E calculem nossa alegria ao constatar que o bonito ficou de recuperação em seis matérias, em todas elas com nota abaixo de cinco (a média do colégio é seis). Ou seja, retido direto. Grifar o nominho dele de vermelho foi praticamente uma catarse coletiva. A gente só não saiu pra tomar uma cerveja depois porque eram dez horas da manhã.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Tia Paula vai à loja de bebês

Vendedores são como leões, que sentem o cheiro do medo e com isso atacam pobres zebras e gnus indefesos enquanto os mesmos pastam, incautos, pelas savanas africanas. A diferença é que vendedores sentem o cheiro não do medo, mas da inexperiência. Assim que me viu entrar, esbaforida, calorenta, carregando uma pilha de livros e uma bolsa gigantesca, a mocinha do crachá percebeu que eu nunca tinha estado em uma loja de artigos para bebê na vida. Percebeu que, para mim, aquele ambiente era tão perigoso e desconhecido quanto a savana africana. E afiou as garras.
Começou sutil. “Posso ajudar?” Devo ter lançado-lhe um olhar de “pelo amor de Deus” enquanto perguntava pela lista de chá de bebê número x. Ela sorriu, a malvada, e sacou de trás do balcão duas folhas contendo uma relação de itens que, supostamente, seriam de primeira necessidade para uma mãe e seu rebento recém-nascido. Da lista eu só conhecia três objetos: fraldas, chupetas e mamadeiras. Alguns eu fazia uma vaga idéia do que seriam e a maioria se qualificava como um imenso ponto de interrogação.
_ Fique a vontade.
O quê? Ela ia me deixar ali, sozinha, abandonada a minha própria sorte, embrenhada em uma selva de prateleiras cheias de produtos misteriosos em tons pastéis? Eu levaria no mínimo três dias para descobrir o que é um cueiro e ainda corria o risco de ser atropelada por um carrinho desgovernado ou me perder na seção de bichos de pelúcia antialérgicos.
Tratava-se, entretanto, de uma vendedora voraz. A líder do bando, possivelmente. Detectou um segundo de hesitação da minha parte e se apressou em tomar as rédeas da situação. Viu que eu estava perdida, insegura, e que faria qualquer coisa para sair dali o mais rápido possível. Presa fácil, portanto.
_ Que tal um esterilizador de mamadeira?
Fui então apresentada a uma espécie de cumbuca plástica com uma tampa, supostamente utilizada para tornar a mamadeira um objeto totalmente livre de germes malvados que possam adoecer o frágil recém-nascido. Custava 50 reais. Levando em consideração que minhas mamadeiras, nos idos dos anos setenta-quase-oitenta, antes do advento do microondas, foram esterilizadas no fogão e nem por isso fui um bebê menos fofo e saudável, comuniquei:
_ Eu queria alguma coisa mais em conta...
A fera não se fez de rogada:
_ Um escorredor de mamadeiras, talvez?
Era uma placa de plástico com ganchinhos de tamanhos diferentes, onde as garrafinhas do bebê devem ficar para secar após a lavagem. Pode muito bem ser substituída pela parte de secar copos do escorredor de louças e custava 25 reais. Comprei. Meu lado “não-tenho-talento-para-maternidade” foi acionado naquele momento, me implorando para que eu saísse daquele lugar estranho antes que algo pior acontecesse. Comprei uma coisa completamente idiota e acima do orçamento previsto por culpa de uma vendedora maligna e sanguinária, que num dia inspirado teria me convencido a ter um filho para desfrutar do mundo maravilhoso dos artigos infantis em sua totalidade. Culpa também do homem dentro de mim, que não passa de um mariquinha e se assusta com coisas inocentes como chocalhos, cueiros e esterilizadores de mamadeira.
Claro que, diante do “mariquinha”, meu macho interior retrucaria: “cauteloso”. No fundo ele tem razão. Afinal, nunca se sabe que perigos nos espreitam atrás de uma prateleira de leite em pó.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Já não se fazem mais mães como antigamente

Adolescentes rebeldes em casa? Filha de 12 anos fazendo pegação no banheiro da escola? Moleque de 13 tomando vinho chapinha com os amigos góticos na praça? Seus problemas acabaram! Adquira hoje mesmo o revolucionário “A arte do terrorismo educacional - Como transformar seus filhos adolescentes em adultos física, sexual e psicologicamente saudáveis” , por dona Neide, minha mãe.
Dona Neide possui 28 anos de experiência na arte de traumatizar filhos – tudo, é claro, para o bem deles. Aos 56 anos, dona Neide educou, utilizando seu método, duas filhas das quais qualquer mãe pode se orgulhar – saudáveis, ajustadas e, o mais importante, que passaram pela adolescência sem engravidar, ter uma overdose ou ficar com fama de galinha no colégio. E, ainda por cima, comem vegetais, escovam os dentes quatro vezes por dia e não, não odeiam sua mãe. Eis algumas dicas de nossa guru da educação:
1. Leve sua filha incauta de 12 anos que acabou de menstruar pela primeira vez até a janela de um apartamento no 13o andar e diga: “De agora em diante, duas coisas que você fizer nessa vida serão equivalentes a se jogar dessa janela: se meter com drogas e engravidar”.
2. Ameace levar os filhos ao hospital para ver as crianças doentes “porque não comeram direito” cada vez que elas fizerem cara feia diante de um prato de escarola. Vídeos sobre a fome na África também podem ser utilizados.
3. Cole reportagens sobre drogas e gravidez na adolescência na porta do armário das meninas e grave todos os “Globo Repórter” sobre os mesmos assuntos.
4. Não perca uma oportunidade de dizer para suas as amigas, na frente dos filhos, o quanto suas crianças são ajuizadas e conscientes dos “perigos do mundo”.
5. Tenha sempre na ponta da língua uma história horrível de crianças que “não escutaram suas mães e acabaram num terreno baldio dentro de um saco de lixo preto”.
6. Mostre todo seu conhecimento sobre DSTs durante a festa de aniversário de seus queridinhos (quanto mais amigos presentes, melhor).
7. Toda vez que a filha do vizinho passar de saia curta, comente: “essa daí já está com a maior fama de biscate no prédio. Não dou um ano pra ficar grávida”.
8. Se sua filha adolescente passar meia hora do toque de recolher, vá buscá-la na festa de roupão, chinelos e expressão de sofrimento. Se tiver bobs para colocar no cabelo, melhor.
Ligue agora e compre “A arte do terrorismo educacional - Como transformar seus filhos adolescentes em adultos física, sexual e psicologicamente saudáveis” e tenha acesso ao método que está transformando a vida familiar no mundo! Dê fim às noites mal dormidas e aos comentários maldosos da vizinhança!

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O coleguinha de classe Mesa de Botequim deu a dica e eu, mais do que rapidamente, decidi aderir. Vou inclusive recomendar o movimento aos pais de certos alunos.


Não, deixa quieto. Mas que seria uma boa idéia, seria.

sábado, 27 de outubro de 2007

É por isso que eu vou morrer pobre

Passei uma semana sem dormir direito. Enfrentei um dilúvio na 25 de Março para comprar TNT (que não é um explosivo, crianças, e sim um tecido de decoração baratinho cuja sigla significa “Tecido Não Tecido” – podia ser mais idiota?). Tive meu scrapbook no orkut invadido por adolescentes ensandecidas que, a uma semana da feira cultural, se deram conta de que não ia dar tempo. Me queimei com cola quente em três lugares diferentes. Me cortei com estilete. Ouvi "Close to You", dos Carpenters, cerca de mil vezes. Devo ter ganho umas cinco varizes novas pois passei a sexta e o sábado em pé, subindo e descendo escadas e carregando tralhas. Acho que desenvolvi uma infecção urinária depois de dois dias sem fazer xixi. Desde sexta de manhã só como enroladinhos de queijo, pães de batata e outros carboidratos simples que são vendidos em cantinas escolares. Meus pés estão inchados. E, estranhamente, agora que acabou, vendo as fotos da sala sobre anorexia que montei com a sétima série, acho que valeu a pena.

P.S.: Eu ia colocar uma foto, mas acho que para vocês ia parecer só um monte de tecido colado nas paredes com umas fotos e uma televisão ao fundo. Não dá pra ter noção do quanto ficou legal! Mesmo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Rapidinha

Sabem aquelas dobraduras que a gente costumava fazer na escola para tirar um sarro dos colegas? Aquelas que abriam e fechavam um determinado número de vezes, depois a vítima escolhia uma cor, levantava a dobra e debaixo dela tinha algum elogio ou algum xingamento? Pois é. Ontem eu tive a primorosa idéia de usar a tal dobradura com a quarta série, para praticar algumas perguntas sobre rotina que os anjinhos tinham aprendido. Coisas do tipo “What time do you have lunch?” ou “What time do you brush your teeth?” Genial – eles fariam o brinquedo e, ao invés de sacanear os amigos, fariam perguntinhas inocentes. Inocente sou eu, né?
Óbvio que não funcionou. Metade da sala seguiu minhas instruções. A outra metade usou a dobradura com sua finalidade primordial. Eu só não contava com o nível das ofensas. Peguei coisas do tipo “biscate”, “puta”, “viado”, “dá buceta” e, na categoria bom português, “dá cú” e “chupa pal”. Além de maloqueiros, analfabetos.
Ah, gente, pelo amor de Deus, eles têm dez anos! Aos dez anos o máximo de ofensa que eu conhecia era “feio, bobo, cara de pastel”.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A gente bem que tenta

Reunião de trabalho sexta a noite. Mas quem precisa de vida social quando tem “Mr. Holland, adorável professor” e bolo de chocolate?
Certo, eu preciso falar sobre esses “filmes de professor”. Há dois tipos: há aquele em que um professor incauto vai parar num colégio barra-pesada cheio de futuros presidiários e, aliando o “amor ao ensino” a uma certa dose de macheza, bota ordem na zona e ainda salva a alma de uma dúzia de malacos. Nessa categoria se enquadram um punhado de filmecos da sessão da tarde e “Mentes Perigosas”, que só difere dos outros porque o professor macho em questão é a Michelle Pfeifer. O segundo tipo é “Mr. Holland”. Nesses, um professor sensível (geralmente de Música, Arte ou Literatura) luta contra um sistema frio, capitalista e cara de pastel para, no final, “tocar o coração” de seus alunos. O clássico do gênero é “Sociedade dos poetas mortos” que, confesso (não sem uma ponta de vergonha), me arrancou lágrimas na adolescência. Então tá.
Analisemos os roteiros com base na realidade. Juca é professor de Física, passa num concurso do estado e vai dar aulas lá em Jacarezinho do mato dentro, periferia da periferia de alguma grande cidade brasileira. Juca terá que ensinar as leis de Newton a um bando de repetentes que mal sabem somar, vão à escola armados e, aos dezessete anos, já tem uns três filhos cada um. Briga na saída termina, na melhor das hipóteses, em facada. Juca não tem carro, mora do outro lado da cidade, ganha uma hora-aula ridícula e ainda está pagando o financiamento estudantil que fez para terminar a faculdade particular. Façamos uma conta simples, leitor: a alma de quantos malacos nosso amigo Juca onseguirá salvar em dois anos (tempo de quitar o FIES e virar monitor de um cursinho no centro da cidade)?
Segundo caso. Mariazinha ensina Português em um colégio particular de um bairro qualquer de uma cidade qualquer. Por uma hora-aula próxima do que seria considerado decente ela prepara, corrige e arquiva centenas de provas e atividades de aproveitamento por mês, além de preencher dúzias de tarjetas e relatórios. Por uma hora-aula próxima do que seria considerado decente, Mariazinha também finje que não percebe que seus alunos leram os resumos dos livros obrigatórios e são incapazes de escrever um parágrafo coerente sobre qualquer assunto.Mariazinha se conformou com o fato de que Clarice Lispector nunca vai ser tão interessante quanto o blog da Bruna Surfistinha. Outra conta simples: o coração de quantos adolescentes Mariazinha conseguirá tocar em três anos (tempo de terminar a pós e ir dar aula numa UNINOVE da vida)?
Aposto uma canetinha de gel que até os alunos do professor Juca conseguiriam fazer estas contas. Nem o Cronenberg, se resolvesse fazer um “filme de professor”, daria conta. A coisa tá feia, criançada.

Da série: pelo menos eu estou sendo paga para ouvir isso

Pérolas pós-reunião de pais:

"Sabe, professora, a Mari vai tão mal na sua matéria que eu estou começando a questionar a maneira como a senhora dá aula."
Comentário: A Mariana nunca leva o material e passa a aula toda ajeitando a franja no espelhinho. Ah, o senhor é engenheiro? Posso questionar a maneira como o senhor constrói prédios?

"Eu acho que vocês deveriam ser mais criativos nas suas aulas. Por exemplo, quando eu estava no cursinho, eu tinha um professor que ia trabalhar vestido de Zorro."
Comentário: Semana que vem tem aula sobre o descobrimento do Brasil. Tudo bem se a professora vier pelada, de índia? E ilustrar o massacre dos nativos da América do Sul ao vivo, pode?

"É, o Matheus não tem feito as lições de casa, mas é porque eu senti que ele anda muito estressado e precisa brincar mais."
Comentário: Veja bem, minha senhora, eu tenho três empregos e também ando muito estressada. Acho até que, num sábado de sol como esse, eu precisaria estar na piscina, mas como eu tenho o mínimo de noção, acordei cedo e vim até aqui ouvir esse tipo de coisa.

"Meu, sabe como é, o Caio é moleque, é assim mesmo, tacar fogo no material é o de menos, relaxa..."
Comentário: Se o senhor completar a frase, em caso de assassinato, qualquer juiz me dará razão.

"Eu vou questionar o método sim, porque eu sou pedagoga 100% construtivista."
Comentário: Pedagogos do meu Brasil varonil, me expliquem - como faz?

"É que o pai dele disse que, toda vez que alguma coisa não o interessasse, era pra ele começar a desenhar."
Comentário: Claro que se o menino não se tornar um Frank Miller no futuro, a culpa será das professoras que podaram seu talento.

"Ela adora inglês! Sabe cantar todas as músicas do Rebelde!"
Comentário: Que a senhora permita que sua filha de seis anos idolatre um bando de biscates mexicanas, problema seu. Mas não precisa ofender.

Sim, estas pessoas estão criando futuros cidadãos. Tenham medo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Picles de dia dos professores

-Ah, eu não sou uma boa professora. Eu não sei contar piadas e meus alunos da sétima série me odeiam.
Prontodesabafei.

-Não estou com saco para textinhos irônicos sobre o dia dos professores (mas ganhei cookies com gotas de chocolate - dividi com meus colegas no intervalo porque, por incrível que pareça, eu não gosto de cookies).

-Lembrei de um cara da época que eu estagiava em um colégio público. Segundo ele, os professores estão pagando o karma da inquisição. Em vidas passadas nós queimamos bruxas, perseguimos judeus e por isso hoje estamos aqui sofrendo.

-Ainda segundo ele, nós não estávamos lá para ensinar. Estávamos lá para ocupar o tempo dos alunos e evitar que eles fiquem na rua roubando, pichando ou procriando.

-Vou parar por aqui, estou muito amarga (devia ter comido os cookies).

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Da série: "Toda classe tem um"

O Gordinho Mala

Não se trata de preconceito com os mais roliços. É apenas um fato. Desde as primeiras séries do ensino fundamental, o gordinho mala-sem-alça estará lá, sorriso abobado, mancha indefinida na camiseta, ar permanente de quem está prestes a soltar um pum. Todos odeiam o gordinho chato, não por ele ser gordinho, mas porque tudo que ele faz parece ter como único objetivo irritar alguém. Ele cutuca todo mundo. Fala sozinho. Conta piadas sem graça. Puxa o cabelo das meninas. Nunca tem borracha nem lápis e, quando o tem, usa para enfiar no nariz e com ele ameaçar quem está por perto de levar um “catotada”. O gordinho mala é, além de tudo, pouco higiênico.
A professora também é vítima, obviamente. O gordinho adora grudar na mesa dela. Pede para ir ao banheiro a cada dez minutos (e sempre com aquela irritante cara de choro) e, se a incauta negar, receberá no dia seguinte um bilhete furioso da mãe (que invariavelmente se parece com a Miss Piggy) do garoto. Porque além de chato, ele aparentemente tem problemas intestinais. E ainda, salvo raras exceções, o gordinho chato sempre fica de recuperação.
Nem todo gordinho é chato, devo acrescentar aqui. Nem todo chato é gordinho, tampouco. Mas as duas características juntas formam uma classe de chatos para a qual ainda não se encontrou uma solução satisfatória. Apanhar dos mais velhos, ser rejeitado pelas meninas, ser execrado pelos professores. Nada disso impede o pequeno roliço de continuar infernizando os outros. Algo me diz que eles se divertem com nosso sofrimento e nossa cara de asco cada vez que eles fazem alguma coisa desagradável. No fundo os gordinhos malas são é sádicos.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Negociando

Diabinho da segunda série chega até a minha mesa, me estende a mão e diz:
- Parabéns, hoje é seu dia de sorte.
- Ah, é? Posso saber por quê?
- Porque a tarde tem futebol e se eu fizer bagunça na sua aula eu não posso jogar.

Claro que, se a criatura depender de bom comportamento pra treinar, vai conseguir, no máximo, uma vaguinha de reserva no ASA de Arapiraca.

sábado, 29 de setembro de 2007

Outros tempos

Ate a quarta série eu estudei em um colégio católico na zona Sul de São Paulo. As freiras eram linha-dura: faziam a gente cantar o hino nacional todo dia antes da aula, ir à missa na sexta-feira e inspecionavam minuciosamente nossos uniformes na hora da entrada. Aula normal, tênis Conga azul-marinho. Dia de Educação Física, Conga branco. Nada de Nike 200 molas, tênis com rodinhas ou luzes estroboscópicas. Bonés, gorros, penteados escalafobéticos, nem pensar. Camiseta bem passada por dentro da calça de elanca (ou da saia pregueada, para as meninas) e meias brancas. Sim, as freiras conferiam nossas meias diariamente antes da aula. Não que fosse a coisa mais divertida do mundo, mas, exceto pelo fato de eu nunca ter tido meias de pompom (um hit da época), a rigidez das religiosas nunca me incomodou muito. Outros tempos, claro, tempos em que criança não tinha nada que dar opinião nem expressar individualidade. Mas estou aqui enrolando porque um acontecimento no colégio semana passada fez com que eu imaginasse o que as freiras do Instituto Santa Amália fariam numa situação dessas.
A famigerada foto anual. Os alunos são pegos de surpresa, levados ao auditório, fotografados primeiro sozinhos, depois com a classe toda e os professores. Um mês depois os pais, felizes em constatar o quanto seus filhos são fotogênicos, adquirem aquelas fotos malditas, que acompanharão o pobre coitado pelo resto da vida: vesgo na foto da primeira série, banguela na foto da segunda, de aparelho extra-oral na da terceira, com um corte de cabelo pavoroso na da quarta. É parte, claro, do processo de humilhação sistemática que consiste em freqüentar a escola. Mas esse ano alguns alunos da 3ª B resolveram inovar. Na foto coletiva, tal qual uma mini-organização terrorista, combinaram e saíram mostrando o dedo médio, numa discreta tentativa de expressar toda a revolta que alguém pode ter contra o sistema aos nove anos de idade.
O fotógrafo não viu. A coordenação não viu. Restou aos pais, ao receberem os esperados envelopes, constatarem horrorizados que meia dúzia de monstrinhos estava mandando todo mundo se foder na foto de 2007. O fotógrafo ficou no prejuízo (ninguém comprou a belezura, obviamente), a coordenadora ficou com a orelha ardendo de tanto atender telefonemas indignados e os meliantes? Levaram uma bronca. Só.
Se fosse no Santa Amália em 1987, estariam todos esfregando os vãos dos dedos da estátua de Jesus Cristo de joelhos.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Ensino religioso

Último período letivo é sempre o mesmo calvário. Haja reunião de pais, trabalho extra, plantão de dúvidas para tentar salvar do inferno da repetência aquelas almas que passaram o ano todo vagando pelo purgatório da recuperação paralela, sem se preocupar muito em descolar um lugarzinho no céu da aprovação. Porque a verdade é que não há sermão no mundo capaz de convencer alunos infiéis de que o caminho da vida eterna após as provas finais será bem mais agradável se for pavimentado por boas ações (e notas) ao longo do ano. Não. Eles parecem preferir a penitência de ir à escola em Dezembro.
Mas, eu disse “infiéis”? Injustiça. São, ao contrário, muito devotos. Crêem numa instância superior, acima do bem e do mal, capaz de decidir se serão abençoados com o meio ponto que falta ou condenados a continuar na mesma série no ano seguinte. Tal instância chama-se conselho de classe. Este, ao contrário de Santo Expedito, não se comove com orações e promessas, ou alguém já viu por ai alguma faixa com os dizeres: “AGRADEÇO AO CONSELHO DE CLASSE PELA GRAÇA ALCANÇADA”? Melhor mesmo é apelar para o santo da causas inpossíveis. Mas, com tanta criancinha doente pra salvar, algo me diz que nem ele vai dar jeito nisso. Haja vela!

sábado, 11 de agosto de 2007

Fim da história

O André ontem cansou de ser bem educado e deu uma surra no Fabiano. Segundo a professora que estava na sala, ela demorou, propositalmente, alguns minutos para intervir. Achei digno.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Momento fofo do dia

O anticristo tem nome, sobrenome e está matriculado na segunda série de um colégio particular em Perdizes. Fabiano tem oito anos e briga feito gente grande. Espera os menores na porta da sala e grita coisas do tipo "você tá ferrado na minha mão". Arranca o tênis das meninas e ameaça as professoras com isso. Morde. Esperneia. Grita a níveis que até então não sabíamos ser capaz a voz humana. No primeiro dia de aula, de posse de uma etiqueta na qual devia escrever seu nome, colocou na mesma a palavra "cuzão" e colou nas costas do colega da frente. E hoje o Fabiano, pela primeira vez em dois anos, ficou sem reação.
Acontece que, sem querer, o monstrinho mexeu com a pessoa errada. No meio de um exercício do livro, chutou a canela do André, aluno novo, porque este se recusou a emprestar-lhe um lápis de cor (atitude sábia, já que o Fabiano tem um buraco negro nas mãos). A coordenadora, que passava no corredor bem na hora, entrou, agarrou o agressor pelo braço e o colocou diante do agredido.
"O que o Fabiano fez pra você, André?"
"Ele chutou minha canela."
"E o que você está com vontade de fazer agora?"
"Bater nele."
"Então bate. Pode bater, eu dou permissão."
"Eu não vou fazer isso, não sou mal-educado."
O Fabiano nem esboçou reação. Abaixou a cabeça e seguiu a coordenadora sem um sinal de protesto. Achei fofo, fato, mas estou esperando para ver até quando tanta educação vai durar.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Talvez alguém espie este blog de vez em quando e se pergunte que tipo de aluna eu fui, para andar por aí cagando regras e julgando a incompetência alheia. E eu, mais que satisfeita lhe responderei, caro leitor: não lembro.
É estranho, mas tenho a impressão que boa parte das minhas memórias dos tempos de escola se apagaram, não sei bem por quê. “Defesa!”, gritariam os psicanalistas de plantão, e eu me veria obrigada a concordar com eles. Eu não gostava da escola. Gostava de estudar, puxar o saco da professora, tirar dez. Tinha entranhado um gene CDF que infelizmente se perdeu na faculdade, ou teria feito de mim uma PhD aos 28 anos. Fora isso, a escola era um desastre.
Você há de concordar comigo, leitor: a escola é um ambiente desconfortável. Você tem que acordar cedo, usar roupas feias que podam sua individualidade, passar seis horas dentro de uma sala barulhenta e ainda é ferozmente repreendido diante da menor manifestação de discordância. Além disso, é periodicamente humilhado por ser muito alto, muito baixo, gordo, magro, usar óculos, aparelho, enfim, ser normal. Não pode ser mentalmente saudável crescer assim.
Eu sobrevivi. Depois de um recalque danado e muito trabalho para esquecer as coisas, tornei-me uma adulta moderadamente equilibrada, com leves problemas de auto-estima que se resolvem com sapatos novos ou um elogio bem colocado. No final quase todos sobrevivem com mais ou menos sucesso, mas, não sei não... Algo me diz que, se não fosse pela escola, muito terapeuta por aí andaria sem pacientes.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Um pouco de outra perspectiva para variar

Eu tinha dito que não postaria em Julho e aqui estou, voltando atrás. Não consigo calar a boca mesmo.
Acontece que voltei a ser aluna. E do tipo pouco talentosa para a matéria, o que espero possa me ajudar a me tornar uma professora melhor quando as aulas retornarem.
Há cerca de um mês, por conta de dores persistentes nas costas, voltei a fazer aulas de natação. No início atribuí minha falta de jeito aos vários anos longe da piscina e perto da cerveja, do cigarro e do McDonald’s. Aliem isso à minha notória aversão por academias e pelo povo que as freqüenta e voilá: teremos alguém que se sente muito, mas muito desconfortável dentro de um maiô.
Comecei muito bem meu programa de exercícios: faltando à primeira aula (mas por acaso vocês esperavam que eu fosse à natação quando faz nove graus em São Paulo? E daí que a piscina é aquecida?). Na segunda aula perdi cerca de dez minutos tentando colocar a maldita touca de borracha e só não fui mais humilhada pela minha total ausência de técnica porque nado na hora do almoço e não há mais ninguém na piscina além da professora naquele horário. “Vai melhorar”, me consolei, “só estou um pouco fora de forma”. Quatro semanas depois, no entanto, as coisas ainda não evoluíram. Enfim, nadar absurdamente mal tendo em volta de mim vidros que proporcionam uma bela visão do meu fracasso a todos os funcionários e alunos da academia tem sido um belo desafio ao meu excesso de preocupação com o que os outros acham. E a paciência da professora tem me deixado um pouco menos desconfortável e me incentivado a não desistir (claro que os seis cheques de 135 reais deixados na secretaria também me incentivam bastante).
Fiquei pensando. Se nadar de costas em linha reta é uma tarefa muitíssimo árdua para mim, porque aprender inglês não pode ser tão difícil quanto para certos alunos? A diferença é que eu posso simplesmente me conformar com a minha falta de talento já que meu objetivo não é chegar às Olimpíadas e eles, bem, eles cedo ou tarde terão que aprender essa merda nem que seja só para passar no vestibular. E eu é que terei que me virar em quatrocentas para colocar isso na cabeça deles.
Vida de professor de Educação Física é bem mais fácil. Prontofalei.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Tia Paula de férias

Salvo motivo de força maior, só voltarei a postar aqui em Agosto. Grata pela atenção.

P.S.: Estou um tanto deprimida. Não pode ser saudade das aulas. Não pode.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Como enfurecer seus subordinados em apenas uma lição

Por que não basta ser chefe, tem que azucrinar.
Um dos meus trabalhos é em um colégio particular relativamente grande, mas ainda negócio de família. Um das filhas dos donos assumiu um cargo teórico de "Supervisora Pedagógica" e inventou um diário eletrônico que funciona assim: no início do ano nós temos que preencher uma tabela absurdamente mal formatada no Word com uma previsão de aulas - datas, recursos utilizados, matéria dada - tudo em código (tipo X para sala multimídia, III para retroprojetor, d para dia de avaliação). Findo o semestre, é óbvio que o planejamento não foi cumprido a risca e o que nós temos que fazer? Reeditar o diário com o que realmente foi feito em sala de aula (e que está anotado claramente num diário de papel, daqueles comuns, de escola). Aí nós imprimimos os "diários eletrônicos" e entregamos para a delegacia de ensino, quando poderíamos muito bem ter entregue os diários de papel.
Uso burro da tecnologia é isso aí. E quando eu falo mal de pedagogos ainda me olham feio.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Ofensas terceira série style

"Quem acha que o Vinícius é menina levanta a mão!"

"Quem acha que o Tiago é ruim de bola levanta a mão!"

"Quem acha que a Laís é fresca levanta a mão!"

"Quem acha que a Mariana tem bigode levanta a mão!"

"Quem acha que o Mateus é chato levanta a mão!"

"Quem acha que a Jéssica é gorda levanta a mão!"

Estariam meus queridinhos treinando para futuras assembléias da USP?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

domingo, 3 de junho de 2007

Tia Paula vai à festa junina

Junho chegou e trouxe com ele minha nova atribuição como professora do ensino fundamental – ensaiar a quadrilha. Festas Juninas e o que elas implicam em geral me causam profunda agonia. Só de ouvir um “cada cavalheiro com sua dama!” ou avistar uma barraquinha de pescaria já estremeço, suo frio e tenho dificuldade de respirar, sintomas advindos provavelmente de algum trauma de infância relacionado ao assunto. A festa junina era, para mim, de longe o momento mais humilhante do ano, por uma série de motivos:
a) Não sei dançar. Nunca soube. Quando criança, minhas incursões pelas maravilhas de tão nobre arte não passaram de uma catastrófica primeira aula de balé (da qual ainda conservo uma cicatriz no queixo como lembrança) e de uma foto ridícula vestindo polainas listradas e colant roxo no melhor estilo “Flashdance” para uma aula de jazz que nunca se realizou em vista de um ataque de pânico na porta da academia. Não que uma dança de quadrilha seja algo extremamente complexo, mas ainda assim envolve música e passos ensaiados, o que, para alguém com minha coordenação motora, já é um desastre.
b) Sempre havia mais meninas que meninos em todas as minhas séries do ensino fundamental. Com isso, era inevitável que duplas de garotas se formassem para completar a quadrilha. Tendo eu sempre sido uma das mais altas da turma, mais de uma vez fui obrigada a fazer o papel do cavalheiro, coisa que pode parecer insignificante agora, mas que é obviamente uma tragédia quando se tem oito anos e não se é, exatamente, a garota mais popular da turma.
c) Usar um vestidinho de chita remendado já é terrível. Usar um vestidinho de chita remendado em Junho, pleno inverno paulistano, com uma meia calça opaca horrorosa que pinica é simplesmente insuportável.
d) Festas juninas envolvem rifas. Rifas envolvem perturbar parentes, vizinhos e até desconhecidos vendendo bilhetes. Anti-social como eu era (era?), fazer as vezes de criança simpática para vender rifa de espremedor de laranja era uma verdadeira tortura chinesa.
e) Eu sempre odiei milho, paçoca, vinho quente e todas as outras iguarias folclóricas. Passava a festa toda morrendo de fome e rezando para que aquilo acabasse logo e eu pudesse ir ao McDonald’s (tanto sofrimento tinha que ter uma compensação no final).
Devo ser justa, entretanto. Agora adulta, consigo compreender o valor educativo da quadrilha. Ela não é apenas uma maneira que as professoras inventaram para se livrar das crianças durante alguns períodos do dia – ela é uma preparação para a vida adulta. Uma quadrilha pode ensinar valiosas lições sobre como, no futuro, as coisas serão muito mais cabeludas do que os pequenos inocentes podem imaginar.
Humilhação pública: A vida de quando em quando nos colocará em situações tão vexatórias que a única saída digna seria a morte. Dançar de roupa remendada com os dentes pintados de preto e quem sabe até um coração colado no traseiro em frente a centenas de pessoas é apenas a primeira delas.
Abuso de poder: Pois se existe uma coisa que certos chefes e alguns professores de Educação Física têm em comum é a leve desconfiança de que talvez Hitler tenha sido mal interpretado.
Protecionismo: A filha da diretora que dança tão bem quanto o tio Julião depois de algumas cervejas se torna a noiva da quadrilha. A loira boazuda burra feito uma porta é promovida. Coincidência? Eu acho que não.
Convivência forçada: Ensaiar durante um mês fazendo par com o gordinho que vive suando é na verdade um treino para futuras parcerias nada felizes, como dividir apartamento com aquela sujeita que só consegue dormir ouvindo Bruno e Marrone, fazer grupo de estudos com o cara que acha que “O Código da Vinci” é um clássico da literatura universal ou apresentar projeto com o fulano que, além de ter mau hálito, ainda dá em cima de você.
Tolerância: Ou você acha que conseguirá passar ileso pela vida corporativa sem um sorriso forçado e um permanente ar de quem está achando o amigo-secreto de fim de ano divertidíssimo? Comece treinando na quadrilha.
Frustração: “Olha a coooobra!” “Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!” “É mentiiiiiira!”. E os coitadinhos rebolando.
A verdade é que, observando bem uma quadrilha, percebo que nem mãe Dinah seria capaz de tão fiel retrato do futuro quanto esta inocente manifestação cultural. No fim das contas todo mundo dança e quase ninguém sai feliz.

sábado, 26 de maio de 2007

Humor involuntário na aula de inglês

Precisando dividir a quarta série em dois grupos sem iniciar a terceira guerra mundial, separei duas pilhas com figuras de animais e de frutas (eram os cartões que eu tinha disponíveis - preguiça de subir escadas pra pegar outros) e as distribuí aleatoriamente entre as crianças. Enquanto elas se agrupavam, como numa previsão sacana, eis que o garotinho afeminado, de fala fina, que só anda com as meninas sai, saltitante, do fundo da sala abanando alegremente um cartão com o desenho de um morango e gritando "Eu sou uma fruta! Eu sou uma fruta!".
As leis da entropia não permitiriam jamais que ele pegasse o cartão com o desenho do tigre, por exemplo.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Escolinha do Chaves

Acho que praticamente todo brasileiro entre doze e trinta anos já assistiu a um episódio do Chaves no qual o professor Girafales pergunta:
_ Chaves, se eu tenho duas laranjas e ganho mais duas, com quantas laranjas eu fico? _ à qual nosso herói prontamente responde:
_ Professor, essa eu sabia com maçãs.
Pois bem. Ontem apliquei uma atividade para o segundo ano do ensino médio. Coloquei algumas frases na lousa e acredito ter deixado bem claro que eles deveriam substituir as expressões grifadas por outras, estudadas previamente.
Quinze minutos depois, folhas de caderno começaram a ser deixadas sobre a minha mesa (a atividade valia nota). Percebi que a maioria dos jovens gênios tinha apenas encaixado as novas expressões aleatoriamente nas frases, sem tirar a parte grifada. A contragosto, tive que intervir:
_ Pessoal, é fácil. Se aquela lâmpada queimar e precisar ser substituída, vocês vão fazer o quê? Colar a lâmpada nova do lado e deixar a queimada lá?
_ Quê?
Quase todas as atividades foram entregues com o mesmo defeito. Estou dando aula para a escolinha do Chaves.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Trauma

Munida dos fantoches, do CD com musiquinhas meigas e irritantes e do livrão de colorir, eu rumava quarta-feira para a sala do primeiro ano ou, como chamaria Ralph, do Senhor das moscas, “the littluns” quando fui avisada pela coordenadora:
_ O João está proibido de sair para ir ao banheiro.
O João tem seis anos e como quase todo mundo na idade dele, uma certa dificuldade em controlar o esfíncter. Só que o pequeno em questão já tinha percebido a condescendência das professoras diante de tal dificuldade, e saía da sala constantemente, muito mais que o necessário. Mas ele tinha que ser castigado bem na minha aula?
Mal deixei minhas coisas sobre a mesa, ele pediu. Neguei. Expliquei que a coordenadora tinha proibido. Ele aparentemente se conformou e correu para o fundo da sala para empurrar um dos colegas que estava mexendo em seu estojo. No decorrer da aula, ele insistiu. E mais uma vez, e mais uma. Comecei a achar que era sério, mas decidida a colaborar na educação da bexiga dos “littluns”, segui firme negando. Outra professora entrou na sala – João pediu a ela, que respondeu com o mesmo argumento:
_ A coordenadora não deixa.
Aula quase no final, eu dava os últimos retoques nas máscaras de urso que tínhamos feito para o teatrinho da semana que vem, João se pendura choroso na minha mesa:
_ Eu não vou agüentar...
_ Certo, mas eu te levo ao banheiro e você se explica com a Lúcia, tudo bem?
Mal me levantei, e o pior aconteceu. João molhou as calças. Chorando, ele me olhava. Sabia que não podia ficar ali parado, mas se andasse seria alvo das risadas dos colegas. Aos poucos cedeu, me deu a mão e foi me seguindo até a bibliotequinha, misto de enfermaria, sala da coordenação e dos professores. Não sei quem estava mais em pânico, ele ou eu. Ao ver minha cara de desespero, Lúcia riu, levou o pequeno ao banheiro e me consolou com um “isso acontece”. Mas eu sou grande, eu esqueço. Ou melhor, eu entendo que há coisas muito piores por aí. E o João? Alguma coisa na vida de um menino de seis anos pode ser pior que fazer xixi nas calças no meio da sala de aula? Duvido.
Sabe qual é meu maior medo? É que o João, por conta desses mecanismos sacanas do nosso subconsciente, nunca esqueça o dia em que molhou as calças na frente da professora. Que ele nunca esqueça do rosto da criatura malvada que fez isso com ele. Eu.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Como sobreviver, de TPM, a duas terceiras séries juntas.

1. Não chore. Então a coordenadora decidiu de repente que você terá que dar três aulas seguidas para 40 crianças entre oito e dez anos justamente no dia que seus hormônios resolveram se rebelar contra o resto do seu corpo? Ora, não é motivo para pânico.
2. Não mate ninguém. Parecerá inevitável quando o garotinho afeminado da segunda fileira começar a gritar com uma voz mais aguda que a da Barbie, mas acredite: diante de pais inconsoláveis, nenhum juiz lha dará razão (a menos que seja mulher, tenha quatro filhos em idade escolar e esteja “naqueles dias”).
3. Não grite. Quando 40 crianças se juntam é muito pouco provável que fiquem em silêncio, ainda que o papa esteja passando. Competir com elas é, portanto, inútil.
4. Tente não estrangular o zelador que desliga a chave geral para reparos a cada quinze minutos, apagando as luzes e provocando comoção generalizada na turma.
5. Não deixe ninguém ir ao banheiro ou beber água. Levando em consideração que eles são muitos e que aparentemente sede e vontade de fazer xixi são contagiosas, se o primeiro tiver permissão você passará o resto da aula controlando entradas e saídas.
6. Delegue. O gordinho do fundo não entendeu? Mande o baixinho CDF da primeira carteira explicar a ele. O baixinho se sente importante, o gordinho faz a lição e você não precisará repetir a mesma explicação pela vigésima vez.
7. Quando tudo falhar, tente a forca (o jogo, não o método de eliminação).
8. Como último recurso, apele para a arte. Distribua folhas sulfite e sugira um “desenho livre”.
9. Reze. De repente você dá sorte e a energia elétrica acaba de vez, o PCC resolve atacar o seu bairro, você tem um ataque cardíaco... Quem sabe...

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Coleção outono-inverno parte 2

Voltando do colégio hoje de manhã, chego a uma triste conclusão - o avental branco, na verdade, não tem nada a ver com um uniforme de enfermeira. Parece sim a roupinha da moça da pastelaria da esquina.

domingo, 6 de maio de 2007

Tia Paula vai à ERVA

Erva é o nome do evento. Seria sugestivo, não fosse a situação. Não me perguntem o que significa tão infeliz sigla, visto que o mesmo não foi esclarecido na palestra. Nós, funcionários exemplares e dedicados, já deveríamos saber há muito tempo. A verdade é que, apesar do nome, não aconteceu nada de muito divertido, só a mesma lenga-lenga motivacional e uma coleção de clichês que me fez sentir muita vergonha alheia, coisa freqüente nas reuniões do colégio.
Começou com um café da manhã que pretendia integrar os funcionários dos diversos setores. Não funcionou, pois é natural do ser humano não se integrar a menos que seja obrigado a isso. Por todo lado só se viam grupinhos de pessoas que já se conheciam.
Em seguida veio a palestra: lema do grupo (“Melhor que ontem, pior que amanhã”) em grandes letras vermelhas no telão. Pode ser implicância minha, mas um lema que contém a palavra “pior” não me parece muito bom. Voz misteriosa pede a todos que fiquem de pé para cantar o hino nacional, e enquanto o mesmo toca, rolam no telão imagens de bebês, paisagens, atletas comemorando a vitória. Quando o hino acaba, vejo todos com cara de “será que alguém vai bater palmas?” Ninguém bate. Entra um vídeo a la Filtro Solar sobre atitude, com cenas de pessoas felizes e Dreams, do Cramberries, tocando no fundo (“All my life/ is changing everyday/in every possible way) . Um dos sócios do colégio sobe ao palco e desenrola um novelo de frases feitas que começa com um “convite à reflexão” e termina com um sensacional “vamos dar uma imensa salva de palmas a todos nós”. Eu preferia estar fazendo um exame de papanicolau. Para completar, no telão, vemos um trecho de um filme que imagino ser “1492 - A conquista do paraíso”, no qual o Gerard Depardieu tenta instalar um sino com a ajuda de uns índios, uns padres e uns bois. O outro sócio sobe ao palco e declara: “Nosso sonho é, com a ajuda de vocês, colocar o sino lá no alto!”. Aplausos efusivos. Vergonha alheia atingindo níveis nunca vistos.
Quase esqueci: entre uma coisa e outra teve “teatrinho corporativo” para explicar o novo sistema de atendimento telefônico do colégio e divulgar os cursos de informática básica para os funcionários. Maior quantidade de risos amarelos por metro quadrado já presenciada naquele auditório.
Salva pelo meu outro trabalho, fui embora na hora do coffee-break. Constava no programa que depois haveria dinâmica de grupo. No fundo senti não poder ficar – tenho certeza que daria outro post. Muito mais engraçado que esse.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Bingo corporativo para reuniões pedagógicas

Entediado nas reuniões pedagógicas?

Cansado de ouvir sempre a mesma ladainha?

Apresentamos o sensacional bingo corporativo versão escolar - selecione as frases, coloque-as nas cartelas e garanta momentos de descontração enquanto a projeção de slides não termina:

Ensinar a aprender

Atualização de diários

Teoria e prática

Múltiplas inteligências

Objetivos pedagógicos

Consciência ambiental

Planejamento

Vida escolar

Construção da cidadania

Trabalho em equipe

Controle de sala

Disciplina

Responsabilidade social

Relação professor-aluno

Ambiente propício ao aprendizado

Vestir a camisa

Interdisciplinariedade

Basta riscar as frases selecionadas à medida que são ditas - o primeiro a preencher a cartela ganha um capuccino e um pão de queijo.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Coleção outono-inverno

O jaleco azul-pálido-operário-da-Ford foi substituído. Agora temos um belíssimo avental branco sem mangas e com rendinhas no bolso. A sala dos professores parece uma enfermaria (não, o dos homens não tem rendinha).

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Tia Paula vai ao terceirão

Resto de verão em São Paulo e a dengue, que não nos decepciona, atinge este ano os bairros abastados, onde não há pneus nem cascos de cerveja no fundo dos quintais. A vítima da vez foi a professora de inglês de 5a série até o colegial da escola onde combato, digo, leciono, para os pequenos do Fundamental I. Recrutada numa quinta-feira a noite para substituí-la de emergência na sexta, fui recebida sete horas da manhã por professores bastante solícitos: “Você vai para o terceiro colegial? Meus pêsames...”, “Logo no terceirão, é? Se prepara.” ouvi, entre outras manifestações de apoio. O caso é que o terceiro colegial do colégio é um clássico: sala cheia (45 alunos), mais homens que mulheres, direção paternalista até o osso, do tipo que deixa a molecada fazer o que quiser (“ano que vem eles estão fora daqui mesmo”). Tudo isso aliado a professores mal humorados que começam a aula com um “Bom dia? Só se for pra você”. Era o que me esperava.
A preocupada coordenadora, entretanto, achou uma solução: dividiria a sala em duas, organizaria grupos de estudo e eu simplesmente circularia tirando dúvidas uma vez que eles teriam prova na semana seguinte. Nada de “tentar dar aula”. Encarei o arranjo como uma total falta de confiança no meu taco, mas não retruquei. Sete horas da manhã da sexta-feira de uma semana desgraçadamente corrida, era melhor que fosse assim.
Devo neste momento esclarecer que eu estava usando calça jeans e o jaleco do colégio – será relevante para o andamento da história – que é a coisa mais sem sex-appeal da face da terra. Além de ser comprido, fechado e de uma cor estranha (algo entre o cinza e o azul-pálido) era dois números maior que eu. Algo entre operário da Ford e frentista de posto. Pois bem. Meia hora de aula, seguindo recomendações eu ainda não tinha dado um sorriso, tudo parecia correr bem. Ao menos eu não sentia no ar nenhuma ameaça de rebelião ou coisa do gênero. Um grupo de três garotos me chama no fundo da sala:
_ Digam.
_ A Claudia (coordenadora) disse que você vai ensinar tudo pra gente. É verdade que você vai ensinar tudo pra gente? _ Adicionem uma entonação sexual nesse segundo tudo e compreenderão minha vontade de responder: _ Vai pra casa bater uma punheta pra playboy do mês, seu nojentinho!
Não podia. Respirei fundo e retruquei:
_ Por que você não vai catar coquinho? _ E eis aqui uma demonstração do meu apego a expressões fora de moda. Qual seria a versão repaginada (e permitida em sala de aula, obviamente) para “vai catar coquinho”?
Me afastei. Do outro lado da sala um grupo de meninas tinha uma dúvida de verdade, que precisei resolver na lousa. Ao fim da explicação, concluí:
_ Alguém tem alguma pergunta?
_ Qual é seu telefone?
Essa eu não vi de onde veio. Pode ter sido do grupo dos taradinhos. Ou dos quatro com cara de nerd no canto esquerdo, dos grandões com ar de bobo logo atrás... Eu não tinha como saber. Me senti acuada, inesperadamente exposta, pronta pra ser fuzilada. Felizmente a aula estava acabando.
Tá, tá, não vou bancar a professora inocente e puritana. Já tive 17 anos e sonhos semi-eróticos com meu professor de Geografia do cursinho (Maurício, minha tara por barba já data daquela época). Não vou me enganar achando que, apesar de não ser a Juliana Paes, nenhum moleque nunca me rendeu uma homenagem num banheiro qualquer. Deve ter acontecido. Eu só preferia não ser confrontada com este fato. E eu estava de jaleco, porra!

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Como irritar sua professora - Lição 2

"Professora, posso entregar a lição de casa semana que vem?"

"Não"

"Mas o professor de (insira qualquer matéria aqui) deixa!"

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Culpa do aquecimento global

A julgar pela temperatura e pela quantidade de chocolate distribuída aos meus alunos hoje, arrisco uma previsão: vai ser a Páscoa do piriri.

terça-feira, 3 de abril de 2007

De como nem tudo está perdido

Descendo pela escada rolante do metrô ouço, atrás de mim, um pai que avisa à filha pequena: “Segura na parte preta, Bia! Segura na parte preta!”. Automaticamente alcancei o corrimão. Nem me lembro quando foi a última vez que segurei num corrimão de escada rolante, mas achei que deveria dar o exemplo. É assim que as coisas funcionam com as crianças – conviver com elas é aprender tudo de novo. É lembrar de atravessar a rua na faixa de pedestres, de esperar todo mundo sair do trem para poder entrar, de comer verduras, de dizer “obrigado” e “por favor”. Coisas pequenas, fundamentais que nós, adultos burros, estressados e cascas-grossa temos mania de esquecer.

domingo, 1 de abril de 2007

Como irritar sua professora - Lição 1

Em dia de prova:
"A prova é a caneta?"
"Pode responder a lápis e passar caneta por cima?"
"Pode responder com caneta rosa/ verde/ dourada/ que brilha no escuro?"
"Pode apoiar no livro?"
"É em dupla?"
"É com consulta?"
"Precisa responder em ordem?"
"Quando terminar pode sair?"
"Quanto vale cada questão?"
"Que dia é hoje?"
"É pra marcar V e F ou C e E?"
"Se escrever o nome certo já ganha ponto?"
"Qual é seu nome?"
"Pode circular?" - No enunciado está escrito "sublinhe"
"Tem certeza que só tem uma alternativa correta?"
"É pra marcar com bolinha ou com xis?"
"Quantas linhas tem que ter cada resposta?"
"A prova está fácil?"
"A prova está difícil?"

sexta-feira, 30 de março de 2007

Quando resolvi ser professora, achei que seria diferente. Eu até tentei, juro. Queria ser a professora cool, tatuada, gente boa. Queria ser amiga da molecada, achava que seria uma maneira inteligente de ganhar o respeito deles. Eu estava errada, por uma série de motivos que discorro a seguir.
Crianças de doze anos não são capazes de dialogar. Aos doze anos eles ainda não compreendem que um sorriso de bom dia não significa “vão em frente, podem gritar a vontade, hoje estou de bom humor”. Nessa idade, elas costumam achar que a maior demonstração de rebeldia que podem dar é atirar papel na lousa e mascar chiclete na frente da professora. Parecem só responder a ordens diante de ameaças – não aprenderam ainda as vantagens de se negociar bom comportamento em troca de uma aula mais leve e divertida. Só funcionam no grito. Salvando um ou outro, encaram o professor como um inimigo a ser combatido e não como alguém que pode tornar a vida deles muito mais fácil desde que eles se esforcem minimamente. A maioria é preguiçosa, distraída e resiste bravamente a idéias novas do tipo “às vezes basta ler o enunciado direito para resolver uma questão”. Não encaram a reprovação como algo terrível, não desenvolvem problemas de auto-estima diante de fracassos em série. Pior que repetir o ano, para eles, é não ganhar um Nike Shox no natal.
Com o tempo melhora. Já consigo sorrir e contar uma piada no primeiro colegial. Antes, só sendo carrasca. No início eu me culpava, achava que tinha falhado, que tinha que existir um jeito melhor de lidar com isso. Hoje, quando eles me abraçam e me agradecem depois de uma hora seguida de esporro, sinto que, infelizmente, estou no caminho certo.

terça-feira, 27 de março de 2007

Só pra descontrair

Diálogo entre Giovana, quarta série, e a professora que vos fala:

Giovana: _ Teacher, o quê é próstata?
Tia Paula (visivelmente desconfortável): _ Mas, Gi, onde foi que você ouviu esta palavra?
Giovana: _ Não é coisa de dentista, prô?
Tia Paula: _ Não, Gi, coisa de dentista é prótese.
Giovana (visivelmente confusa): _ Mas... o meu tio disse que ele foi no dentista pra colocar uma próstata!

Sério, se eu fosse bem paga teria o melhor emprego do mundo.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Mundo ideal

Para poder dirigir, pelo menos legalmente, qualquer cidadão brasileiro precisa ter no mínimo dezoito anos, ser capaz de riscar duas linhas paralelas ao mesmo tempo, ser torturado psicologicamente por um instrutor de auto-escola que só escuta a Alfa FM , passar uma agradável manhã de sábado assistindo a cenas de acidentes de carro para aprender a dirigir civilizadamente e, por fim, ser reprovado três vezes na prova prática antes de conseguir a tão sonhada carta de motorista, documento mágico que atesta que, até a data x, seu portador é uma pessoa habilitada para conduzir um automóvel e pode, portanto, ser responsável por um volante.
Todo mundo sabe, entretanto, que o método é falho. Pessoas batem seus carros, cometem infrações, violam a lei, morrem e matam outras pessoas no trânsito todos os dias. E se, com tanta burocracia e fiscalização a coisa ainda assim degringola, imaginem o que acontece quando pessoas assumem responsabilidades muito maiores que um Fiat Uno sem, no entanto, contar com o treinamento necessário. Ter filhos, por exemplo. Sim, porque enquanto se tornar motorista é um processo longo, que dura meses e tem muitíssimas restrições, se tornar pai e mãe é algo que pode ser arranjado em minutos. Basta uma camisinha furada ou umas cervejas a mais. E, ao contrário da carta de motorista, um filho é algo que qualquer um pode ter. Qualquer um mesmo.
Essa idéia me vem à mente diante de certos alunos. Vejo aquelas crianças e me pergunto se os pais deles são capazes de riscar duas linhas paralelas ao mesmo tempo e chego à seguinte conclusão: tem gente que não tem a menor idéia do que fazer com um filho.
Antes de ser acusada de nazista, me defendo. O fato de considerar certas pessoas totalmente inaptas a procriar não tem nada a ver com elas serem pobres, pelo contrário. Meus piores monstrinhos são filhos de famílias de classe média. Também não me refiro a crianças mal-educadas ou rebeldes. Me refiro a crianças que estão sendo educadas por gente de um pensamento torto, esquisito, que não passaria nem pagando numa prova para atestar que fulano tem condições de ser pai ou mãe, se houvesse tal coisa.
Tem o garoto da quarta série que é fissurado em sexo. Leva playboy para a sala de aula, assiste filme pornô e insiste em me perguntar toda aula como se diz cu, buceta, pau em inglês. De onde veio a revista? Ele é que não comprou, só tem dez anos. Não posso deixar de imaginar que o pai, querendo logo se livrar do “problema” que seria ter um filho gay, resolveu apresentar as coisas para o menino e não perigar de ele se interessar pelas “outras coisas”. Ano que vem, no seu aniversáro de onze anos, ele provavelmente vai contar aos colegas que ganhou de presente uma noite no puteiro. Essa mesma turma da quarta série não admite ser chamada de criança. São, segundo sua própria definição, “pré pré adolescentes”. De onde tiraram esse termo? Só podem ter ouvido de algum adulto.
Tem a menina da terceira série que nunca andou de ônibus, nem de excursão. Ao ser questionada se ela não ia aos passeios da escola, respondeu que o pai não deixava, porque não queria que ela se misturasse com os meninos. E acaso ela estuda numa escola só de meninas? Parece aquela história do pai que faz a filha adolescente chegar em casa as dez da noite, como se motel não funcionasse antes desse horário. Ao comentar o caso com minha amiga Bruna, professora como eu e tão desbocada quanto, sua reação foi: “Essa daí vai virar uma puta de marca maior. Daquelas bem vagabundas.” Quer saber? Tomara que vire mesmo.
Tenho infinitas histórias como essas. Aos poucos vou contando. Só queria mesmo compartilhar meu delírio: num mundo ideal, qualquer pessoa que almejasse um filho teria que tirar licença, fazer curso e provar que é capaz de criar um cidadão mentalmente saudável. No meu mundo ideal, os psicanalistas não teriam emprego.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Tensão entre as partes

Suspiro dolorosamente. Depois de quatro horas com a segunda série, chego à conclusão de que, no fundo, a bruxa da história de João e Maria foi incompreendida. Afinal, a pobre mulher constrói a casa dos seus sonhos, toda de doces, para que um dia surjam dois pestinhas esfomeados e acabem com ela? Forno neles! E aposto que os irmãozinhos alemães seriam praticamente crianças de internato suiço perto dessas aqui, que nesse momento se ocupam colando no rosto umas das outras os adesivos que deveriam estar no livro. Procuro uma alternativa: mostro a eles meu material, para que vejam como ficou bonito com os adesivos coloridos todos nos lugares certos, mas é inútil. Grudar animais na testa dos colegas é obviamente muito mais divertido. Quando Matheus 2, o gordinho que vive de uniforme sujo, solta um berro agudo e contínuo porque Matheus 3 assoou o nariz em sua camiseta, chego a considerar a focinheira. Infelizmente, creio que métodos educacionais tão revolucionários ainda encontram certa resistência da parte de alguns pais conservadores. Me contento em dar um rolo de papel higiênico a Matheus 3 e mais uma cartela de adesivos a Matheus 2, que milagrosamente se cala e em seguinda enche o cabelo da garotinha da frente, que chorava copiosamente, com carinhas amarelas felizes. Prefiro acreditar que ele tentou alegrar a menininha. O papel higiênico se mostra uma tática igualmente genial: Me distraio por dois segundos separando uma briga e o rolo se torna artilharia pesada na guerra de cuspe que estourou no fundão. Já há baixa de cinco crianças quando consigo intervir, operação que demanda certa logística, uma vez que preciso me arrastar entre as carteiras para evitar ferimentos mais sérios advindos de uma bola de papel molhado bem colocada. Quando chego, quase ilesa (salvo uma tampa de caneta no olho), ao foco da batalha, sou cercada por uns vinte soldadinhos, todos com comunicados importantíssimos provenientes do QG:

    • Tropas inimigas às 10 horas!

    • Baixa na trincheira 8!

    • Soltei um pum!

    • O Lucas 5 cortou meu cabelo!

    • O Caio está comendo cola!

    • A Talita não sabe amarrar o sapato!

Me pergunto quem foi que disse que essas crianças têm que ir à escola? Aqui definitivamente não é o lugar delas. Deveriam estar no circo,no zoológico, ou no exército, locais que certamente contam com profissionais mais qualificados para lidar com situações desse tipo.

    • Bem, é para isso que elas vão à escola.- Argumentaria alguém.- Para se civilizar.

Pobre desavisado! Ignora o fato de que não há lugar menos indicado para ensinar a um pequeno a arte de viver em sociedade. A sala de aula é o próprio Vietnã, ou pior: Ambiente opressor, desconhecido, cheio de criaturas que surgem do nada dispostas a se degladiar por, sei lá, uma caneta que brilha no escuro.

Ouço um palavrão. Enquanto me ocupo limpando as crianças atingidas na terrível batalha de cuspe, um tênis passa voando a uma distância perigosa da minha cabeça, acertando em cheio a caixa de duzentos lápis de cor da menina da primeira carteira. Esta começa a chorar convulsivamente enquanto, no fundão, alguém grita:

    • Tia, o Thomas falou “bunda”!

Diante da menção da palavra proibida a sala vem abaixo. Os gritos histéricos provenientes de manifestações de apoio ou repúdio a tão desprezível vocábulo tomam conta do ambiente, e quem passa do lado de fora imagina que uma centena de rebeldes se apossam da classe nesse momento. “Bunda”! Isso é o melhor que você pode fazer? Conheci menininhas de primeira série capazes de proferir palavrões que fariam corar um caminhoneiro!

Competir com os gritos é inútil. Eles são trinta e dois e eu, apenas uma, exausta, descabelada, prometendo sair dali direto para uma clínica de esterelização. Mas como não pensei nisso antes? A psicologia inversa é a solução. Sento me atrás da mesa e aguardo, em silêncio, que eles prestem atenção em mim. Afinal de contas os pequeninos são razoáveis. Não estou tratando com insurgentes iraquianos, mas com crianças espertas e absolutamente capazes de compreender que, em determinado momento, terão que se calar e acatar minhas ordens sem dar um pio. O barulho aos poucos vai se dissipando, acendendo em mim a esperança de que, com sorte, em mais duas horas conseguirei passar a lição de casa.

-Tia, o Thomas falou “bosta”!

Monstrinhos! Em três segundos o quase silêncio que levou uma hora para ser estabelecido se retira como uma tropa derrotada e me abandona no meio da trincheira tomada, ferida, indefesa e a mercê de trinta e duas almas que, tão jovens, não têm mais salvação. Agora entendo que as janelas tipo basculante não são apenas fruto de uma arquitetura sacana que pretende matar professores e alunos sufocados pela falta de ventilação. São também uma maneira eficiente de impedir defenestrações, voluntárias ou não, de mestres e pupilos. Estou a ponto de me render, quando um som que só pode ter vindo dos céus anuncia o cessar-fogo e reestabele em mim a fé – o sinal que indica o fim da aula, e que traz com ele as tropas aliadas: As inspetoras de corredor. Os pestinhas se enfileiram como prisioneiros de guerra para seguir as abençoadas mulheres que os manterão afastados de mim pelo menos até amanhã. No caminho um deles, como num tratado de paz, me dá um bombom. Não são uns anjos esses meus alunos?