sábado, 29 de setembro de 2007

Outros tempos

Ate a quarta série eu estudei em um colégio católico na zona Sul de São Paulo. As freiras eram linha-dura: faziam a gente cantar o hino nacional todo dia antes da aula, ir à missa na sexta-feira e inspecionavam minuciosamente nossos uniformes na hora da entrada. Aula normal, tênis Conga azul-marinho. Dia de Educação Física, Conga branco. Nada de Nike 200 molas, tênis com rodinhas ou luzes estroboscópicas. Bonés, gorros, penteados escalafobéticos, nem pensar. Camiseta bem passada por dentro da calça de elanca (ou da saia pregueada, para as meninas) e meias brancas. Sim, as freiras conferiam nossas meias diariamente antes da aula. Não que fosse a coisa mais divertida do mundo, mas, exceto pelo fato de eu nunca ter tido meias de pompom (um hit da época), a rigidez das religiosas nunca me incomodou muito. Outros tempos, claro, tempos em que criança não tinha nada que dar opinião nem expressar individualidade. Mas estou aqui enrolando porque um acontecimento no colégio semana passada fez com que eu imaginasse o que as freiras do Instituto Santa Amália fariam numa situação dessas.
A famigerada foto anual. Os alunos são pegos de surpresa, levados ao auditório, fotografados primeiro sozinhos, depois com a classe toda e os professores. Um mês depois os pais, felizes em constatar o quanto seus filhos são fotogênicos, adquirem aquelas fotos malditas, que acompanharão o pobre coitado pelo resto da vida: vesgo na foto da primeira série, banguela na foto da segunda, de aparelho extra-oral na da terceira, com um corte de cabelo pavoroso na da quarta. É parte, claro, do processo de humilhação sistemática que consiste em freqüentar a escola. Mas esse ano alguns alunos da 3ª B resolveram inovar. Na foto coletiva, tal qual uma mini-organização terrorista, combinaram e saíram mostrando o dedo médio, numa discreta tentativa de expressar toda a revolta que alguém pode ter contra o sistema aos nove anos de idade.
O fotógrafo não viu. A coordenação não viu. Restou aos pais, ao receberem os esperados envelopes, constatarem horrorizados que meia dúzia de monstrinhos estava mandando todo mundo se foder na foto de 2007. O fotógrafo ficou no prejuízo (ninguém comprou a belezura, obviamente), a coordenadora ficou com a orelha ardendo de tanto atender telefonemas indignados e os meliantes? Levaram uma bronca. Só.
Se fosse no Santa Amália em 1987, estariam todos esfregando os vãos dos dedos da estátua de Jesus Cristo de joelhos.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Ensino religioso

Último período letivo é sempre o mesmo calvário. Haja reunião de pais, trabalho extra, plantão de dúvidas para tentar salvar do inferno da repetência aquelas almas que passaram o ano todo vagando pelo purgatório da recuperação paralela, sem se preocupar muito em descolar um lugarzinho no céu da aprovação. Porque a verdade é que não há sermão no mundo capaz de convencer alunos infiéis de que o caminho da vida eterna após as provas finais será bem mais agradável se for pavimentado por boas ações (e notas) ao longo do ano. Não. Eles parecem preferir a penitência de ir à escola em Dezembro.
Mas, eu disse “infiéis”? Injustiça. São, ao contrário, muito devotos. Crêem numa instância superior, acima do bem e do mal, capaz de decidir se serão abençoados com o meio ponto que falta ou condenados a continuar na mesma série no ano seguinte. Tal instância chama-se conselho de classe. Este, ao contrário de Santo Expedito, não se comove com orações e promessas, ou alguém já viu por ai alguma faixa com os dizeres: “AGRADEÇO AO CONSELHO DE CLASSE PELA GRAÇA ALCANÇADA”? Melhor mesmo é apelar para o santo da causas inpossíveis. Mas, com tanta criancinha doente pra salvar, algo me diz que nem ele vai dar jeito nisso. Haja vela!