quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Crônicas da FFLCH

Eu não sei como eu não contei isso antes. Eu me formei em Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, popular Fefeléche, habitat natural de hippies, indies, maconheiros, gente de teatro e todo o tipo de fauna urbana que se possa imaginar. Seis anos num lugar assim renderam, obviamente, infinitas histórias de alunos e professores e a partir de hoje vou compartilhar as mais insólitas com os leitores do blog. Começo com uma da pós-graduação.
Eu fiz duas matérias como aluna especial na pós da Letras. Aluno especial é aquele que, mediante aceitação do professor, freqüenta no máximo três matérias por semestre sem ter se candidatado oficialmente para o mestrado. Se passar, tem até dois anos para pedir a inclusão dos créditos caso se torne regular. Na Letras, equivale a ser um marginal, um vagabundo incompetente que não presta nem pra passar numa provinha idiota de mestrado (que de idiota não tem nada, envolve trabalho braçal, humilhação e muita puxação de saco).
Uma das matérias que eu cursava chamava-se Lingüística Cognitiva e era ministrada por um dos professores mais temidos do departamento de Inglês, o sr. Leland McLeary. Era dificílima até para quem tinha se graduado em Lingüística, que era o meu caso. Envolvia um monte de conceitos muito abstratos e uns textos gigantescos semanais, em inglês. Para piorar, o Leland aceitava um monte de alunos especiais, o que significa que na turma tinha muita gente caída de pára quedas, que tinha se formado em Jornalismo, Artes Cênicas e até Direito e sabe-se lá por que força maligna foi parar numa aula de Lingüística Cognitiva. Para cagar de vez, a aula do sr. McLeary consistia basicamente no velhote sentando na mesa perguntando para o povo: “O que vocês entenderam do texto da semana?”. Ou seja, eu passava quatro horas por semana escutando gente que nunca tinha ouvido falar em Lingüística tecer conjecturas sobre um texto do qual ninguém tinha entendido porra nenhuma. Um exame de papanicolau seria mais divertido.
Uma das paraquedistas era uma sujeita que ia para uma aula de sexta feira a tarde na FFLCH de escarpin, tailleur e bolsa Victor Hugo. Era advogada e, como tal, adorava dar opinião sobre tudo. Toda aula ela falava alguma merda que não tinha absolutamente nada a ver com o que estava sendo discutido. E comparava com Direito, óbvio. Quando a fulana levantava o braço, o povo já revirava os olhos e se entreolhava esperando o que viria pela frente.
Um dia nós estávamos discutindo metáforas e expressões idiomáticas e o professor questionou se expressões do tipo “Foi um parto para fazer tal coisa” ou “Fulano é um pé no saco” seriam adequadamente utilizadas por pessoas de diferentes sexos, já que são experiências que podem ser vividas só por mulheres ou só por homens. Ele queria saber se as expressões devem, necessariamente, ter um “pé” no real. Nisso a advogada levantou a mão:
“Isso não tem nada a ver, professor. Por exemplo, talvez ninguém aqui tenha literalmente ‘remado contra a corrente’, mas provavelmente já subiu a Brigadeiro num Ford Ka 1.0 com ar condicionado ligado!”
Tá, foi meio fora de contexto. Mas que foi a melhor comparação de todos os tempos, isso foi.

6 comentários:

VJC disse...

Ha! Gostei do texto. Tá vendo o preconceito contra a advogada patricinha. Acho esquisito isso, o pessoal bixo-grilo, naquele discurso contra o preconceito, é também um dos primeiros a julgar alguém pelas roupas. Tudo é questão de tribos mesmo... E a comparação dela foi mesmo perfeita!

Claudine disse...

Primeira visitinha... rsrsrs
Até que a advogada mandou bem, não foi?!!!

Tia Paula disse...

Opa! Eu tenho preconceito sim. Preconceito com gente mala, como era o caso da advogada.
E apesar de ser FFLCH de coração, estou longe de ser bixo-grilo. Meus pés são limpinhos, meu cabelo não tem pontas duplas e eu detesto Teatro Mágico.

Ah, a vida da gente seria bem menos divertida sem os estereótipos.

Mary Poppins de TPM disse...

Eh verdade, apesar de estar meio fora do contexto foi uma otima comparacao.
Falando em gente mala e expressoes, me responda, Tia Paula, vc ja ouviu a expressao: chutar a caixa? Segundo a mala da minha sala signica resolver algum problema. Ela eh brasileira tb e tava se embanando toda pra explicar para os gringos, pediu minha ajuda e eu disse que nunca ouvi tb. Ela ficou puta!

Paulo Bacalhau disse...

Eu tenho preconceito sim [2].
Minha próxima postagem vai ser sobre isso.....abraço

Tio Xavier™ 4.5 Plus disse...

Professora, permita-me propor uma compreensão comum do termo preconceito. Ele geralmente define uma impressão gratuita e prévia ao conhecimento do seu objeto (pré). Como a maioria de nós conhece diversos estudantes de Direito (pré-malas) e Advogados (malas credenciados) podemos tranqüilamente usar conceito. Ô povinho chato esse do Direito.