sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A gente bem que tenta

Reunião de trabalho sexta a noite. Mas quem precisa de vida social quando tem “Mr. Holland, adorável professor” e bolo de chocolate?
Certo, eu preciso falar sobre esses “filmes de professor”. Há dois tipos: há aquele em que um professor incauto vai parar num colégio barra-pesada cheio de futuros presidiários e, aliando o “amor ao ensino” a uma certa dose de macheza, bota ordem na zona e ainda salva a alma de uma dúzia de malacos. Nessa categoria se enquadram um punhado de filmecos da sessão da tarde e “Mentes Perigosas”, que só difere dos outros porque o professor macho em questão é a Michelle Pfeifer. O segundo tipo é “Mr. Holland”. Nesses, um professor sensível (geralmente de Música, Arte ou Literatura) luta contra um sistema frio, capitalista e cara de pastel para, no final, “tocar o coração” de seus alunos. O clássico do gênero é “Sociedade dos poetas mortos” que, confesso (não sem uma ponta de vergonha), me arrancou lágrimas na adolescência. Então tá.
Analisemos os roteiros com base na realidade. Juca é professor de Física, passa num concurso do estado e vai dar aulas lá em Jacarezinho do mato dentro, periferia da periferia de alguma grande cidade brasileira. Juca terá que ensinar as leis de Newton a um bando de repetentes que mal sabem somar, vão à escola armados e, aos dezessete anos, já tem uns três filhos cada um. Briga na saída termina, na melhor das hipóteses, em facada. Juca não tem carro, mora do outro lado da cidade, ganha uma hora-aula ridícula e ainda está pagando o financiamento estudantil que fez para terminar a faculdade particular. Façamos uma conta simples, leitor: a alma de quantos malacos nosso amigo Juca onseguirá salvar em dois anos (tempo de quitar o FIES e virar monitor de um cursinho no centro da cidade)?
Segundo caso. Mariazinha ensina Português em um colégio particular de um bairro qualquer de uma cidade qualquer. Por uma hora-aula próxima do que seria considerado decente ela prepara, corrige e arquiva centenas de provas e atividades de aproveitamento por mês, além de preencher dúzias de tarjetas e relatórios. Por uma hora-aula próxima do que seria considerado decente, Mariazinha também finje que não percebe que seus alunos leram os resumos dos livros obrigatórios e são incapazes de escrever um parágrafo coerente sobre qualquer assunto.Mariazinha se conformou com o fato de que Clarice Lispector nunca vai ser tão interessante quanto o blog da Bruna Surfistinha. Outra conta simples: o coração de quantos adolescentes Mariazinha conseguirá tocar em três anos (tempo de terminar a pós e ir dar aula numa UNINOVE da vida)?
Aposto uma canetinha de gel que até os alunos do professor Juca conseguiriam fazer estas contas. Nem o Cronenberg, se resolvesse fazer um “filme de professor”, daria conta. A coisa tá feia, criançada.

2 comentários:

Rodrigo Souza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo Souza disse...

Terceiro caso. John Doe dá aula em uma faculdade particular no subúrbio de uma cidade maravilhosa qualquer. Sua hora aula não é das piores, não mesmo, e muito menos desgosta de sua recém abraçada profissão. Seu relacionamento com a turma também é bom, sempre fazendo o possível para que os alunos não percam de vista o fato de Mr.Doe é tão humano quanto qualquer um deles. Julga isso necessário, pois a educação fundamental em um lugar como o subúrbio onde esta faculdade se encontra põe gente como Mr.Doe em um patamar hiperbóreo quase Nietzschiano, impróprio para exercer seu ofício (porém nirvanesco, segundo a ótica de pedabobos clássicos).

Revertendo isso, Doe acredita que ao menos chegará um pouquinho mais perto de realizar a utopia de tentar reverter o estrago feito por década e meia de cérebros em conserva em água de palmito.

Quanto a coerência dos parágrafos? Bem, tenho certeza que John Doe tem problemas para encontrá-las no verso do seu contra-cheque...