sexta-feira, 18 de maio de 2007

Trauma

Munida dos fantoches, do CD com musiquinhas meigas e irritantes e do livrão de colorir, eu rumava quarta-feira para a sala do primeiro ano ou, como chamaria Ralph, do Senhor das moscas, “the littluns” quando fui avisada pela coordenadora:
_ O João está proibido de sair para ir ao banheiro.
O João tem seis anos e como quase todo mundo na idade dele, uma certa dificuldade em controlar o esfíncter. Só que o pequeno em questão já tinha percebido a condescendência das professoras diante de tal dificuldade, e saía da sala constantemente, muito mais que o necessário. Mas ele tinha que ser castigado bem na minha aula?
Mal deixei minhas coisas sobre a mesa, ele pediu. Neguei. Expliquei que a coordenadora tinha proibido. Ele aparentemente se conformou e correu para o fundo da sala para empurrar um dos colegas que estava mexendo em seu estojo. No decorrer da aula, ele insistiu. E mais uma vez, e mais uma. Comecei a achar que era sério, mas decidida a colaborar na educação da bexiga dos “littluns”, segui firme negando. Outra professora entrou na sala – João pediu a ela, que respondeu com o mesmo argumento:
_ A coordenadora não deixa.
Aula quase no final, eu dava os últimos retoques nas máscaras de urso que tínhamos feito para o teatrinho da semana que vem, João se pendura choroso na minha mesa:
_ Eu não vou agüentar...
_ Certo, mas eu te levo ao banheiro e você se explica com a Lúcia, tudo bem?
Mal me levantei, e o pior aconteceu. João molhou as calças. Chorando, ele me olhava. Sabia que não podia ficar ali parado, mas se andasse seria alvo das risadas dos colegas. Aos poucos cedeu, me deu a mão e foi me seguindo até a bibliotequinha, misto de enfermaria, sala da coordenação e dos professores. Não sei quem estava mais em pânico, ele ou eu. Ao ver minha cara de desespero, Lúcia riu, levou o pequeno ao banheiro e me consolou com um “isso acontece”. Mas eu sou grande, eu esqueço. Ou melhor, eu entendo que há coisas muito piores por aí. E o João? Alguma coisa na vida de um menino de seis anos pode ser pior que fazer xixi nas calças no meio da sala de aula? Duvido.
Sabe qual é meu maior medo? É que o João, por conta desses mecanismos sacanas do nosso subconsciente, nunca esqueça o dia em que molhou as calças na frente da professora. Que ele nunca esqueça do rosto da criatura malvada que fez isso com ele. Eu.

3 comentários:

amanda. disse...

se ele fosse menina eu ia dizer "voce nem sabe nada da vida, voce nao sabe o que é menstruar pela primeira vez aos 12 anos na sala de aula"

mas ele é menino.
complicado.

Carlota disse...

Paulinha, você mais do que ninguém está plenamente apta a educar "as mentes que governarão esse país num futuro não muito distante". Não se preocupe. Ele vai acabar conseguindo controlar o esfíncter, a mãe dele vai contar esse episódio pra todas as namoradas que ele tiver, e quando ele tiver vinte e poucos anos, vai lembrar com muito carinho da Tia Paula. Não se preocupe...
Beijos!!!

Unknown disse...

boa professora!!!!!!